Texto construído tendo por base a trova de Filemon Martins (São Paulo/SP)
Da vida não quero a glória
que tanto engana e seduz.
Prefiro não ter história
a renunciar minha cruz.
Na
pequena vila de São Lázaro, onde as montanhas se erguiam majestosas e
os rios cantavam em seu leito, vivia um homem chamado Elias. Ele era um
camponês simples, conhecido por sua generosidade e pela serenidade que
exalava. Enquanto os outros aldeões se deixavam levar pela busca
incessante por fama e riqueza, Elias se dedicava a cultivar sua horta e
cuidar de sua família. Para ele, a vida era uma jornada de aprendizado, e
não uma corrida em busca de reconhecimento.
Certa
vez, durante uma festa na aldeia, um viajante chegou, trazendo consigo
histórias de grandes conquistas e glórias. Ele falava de palácios,
tesouros e da admiração que recebia por onde passava. Os aldeões,
fascinados, rodearam o homem e deixaram de lado suas atividades
cotidianas. O viajante, percebendo a atenção que atraía, começou a
incitar a ambição nas pessoas, sugerindo que a vida sem glória era uma
vida sem valor.
Elias,
que observava em silêncio, sentiu um desconforto crescente. Ele
conhecia as armadilhas que a busca pela glória podia trazer. Não era a
fama que deixava marcas na alma, mas a vivência honesta e autêntica de
cada dia. Ao final do evento, ele se aproximou do viajante e, com um
olhar calmo, disse: “Da vida não quero a glória que tanto engana e
seduz. Prefiro não ter história a renunciar minha cruz.”
O viajante riu, achando que o camponês falava de maneira ingênua.
“Como pode não querer ser lembrado? A história é o que nos torna imortais!”
Elias,
porém, não se deixou abalar. Ele sabia que a verdadeira imortalidade
não estava em ser lembrado, mas em deixar uma marca no coração das
pessoas ao seu redor, por meio de ações simples e significativas.
Com
o passar dos dias, o viajante decidiu ficar na aldeia, convencendo
alguns moradores a se juntarem a ele em sua busca por riqueza e fama.
Prometeu que, juntos, poderiam conquistar o mundo e ser lembrados por
gerações. Muitos se deixaram seduzir por suas promessas, abandonando
suas terras e suas tradições em busca de um futuro glorioso.
Enquanto
isso, Elias continuou sua vida simples, cuidando de sua horta e
ajudando os vizinhos. Ele não se importava com o que os outros pensavam,
pois sabia que a verdadeira felicidade residia nas pequenas coisas: o
canto dos pássaros, o crescimento das plantas, o riso de uma criança.
Ele carregava em seu coração o peso da cruz, mas essa cruz, longe de ser
um fardo, era um símbolo de sua resiliência e de sua conexão com a
vida.
O
tempo passou e o viajante, junto com seus seguidores, partiu em busca
de aventuras. Prometeu voltar com riquezas e histórias que deixariam
todos deslumbrados. No entanto, meses se passaram sem notícias, e a vida
na aldeia continuou seu curso. Aqueles que deixaram suas raízes
começaram a sentir a falta do lar, da simplicidade e do calor humano que
haviam abandonado.
Um
dia, após um ano de ausência, o viajante voltou, mas não como um herói.
Ele apareceu desolado, com roupas rasgadas e o olhar vazio. Os que
estavam com ele o seguiam, mas seus rostos eram marcados pela fadiga e
pela desilusão. O que havia prometido se revelou uma ilusão: a busca
pela glória os levou a um caminho de frustração e solidão.
Elias,
ao ver o viajante em tal estado, sentiu compaixão. Ele se aproximou e
ofereceu-lhe água e comida. “A vida é um ciclo, e às vezes as escolhas
que fazemos nos ensinam lições difíceis”, disse Elias. O viajante, agora
sem palavras de bravura, apenas assentiu, compreendendo a profundidade
do que o camponês havia tentado lhe ensinar desde o início.
Aqueles
que retornaram com o viajante, ao observar a simplicidade da vida de
Elias, começaram a perceber o valor que havia em suas ações cotidianas.
Eles se sentaram ao seu redor e ouviram suas histórias sobre como, mesmo
sem fama, ele tocava a vida das pessoas ao seu redor. Ele falava sobre a
importância de estar presente para os outros, de cultivar
relacionamentos e de encontrar beleza nas pequenas coisas.
Com
o tempo, a aldeia se transformou. As pessoas começaram a valorizar o
que realmente importava: a comunidade, a solidariedade e a
autenticidade. A busca pela glória deu lugar a um desejo de ser útil e
de viver com propósito. A vida de Elias se tornou um exemplo, não de
fama, mas de integridade.
O
viajante, que antes acreditava que a glória era tudo, começou a
entender que a verdadeira riqueza estava nas conexões que se formam ao
longo da vida. Ele se tornou um contador de histórias, mas agora suas
histórias eram sobre humildade, aprendizado e a beleza de uma vida bem
vivida.
Elias,
por sua vez, continuou a viver de acordo com suas convicções. Ele nunca
se preocupou em deixar uma grande história como legado. Para ele, o que
realmente importava era o amor que compartilhava e o impacto que tinha
nas vidas ao seu redor. Ao final de seus dias, ele partiu em paz,
sabendo que havia vivido plenamente, sem renunciar à sua cruz, mas sim
abraçando-a como parte essencial de sua jornada.
E
assim, na pequena vila de São Lázaro, a verdadeira glória não estava
nas histórias grandiosas, mas nas vidas que foram tocadas pela
simplicidade, pela bondade e pela autenticidade de um homem que preferiu
não se deixar seduzir pelas ilusões da fama.
Fontes
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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