PRÓLOGO
A
linha entre a solidão como um refúgio e como uma prisão é tênue. Para
aqueles que se sentem abandonados, a solidão pode rapidamente se
transformar em um estado de desespero. O que começa como um momento de
paz pode se transformar em uma espiral de tristeza, onde a conexão com o
mundo exterior se torna cada vez mais difícil. A falta de interação
social pode provocar sentimentos de inadequação e a crença de que não se
é digno de amor ou amizade. Nesse cenário, a pessoa pode se isolar
ainda mais, criando um ciclo vicioso que parece não ter fim.
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Em
um pequeno apartamento no coração da cidade, onde a agitação nunca
termina, vive um homem chamado Luca. O espaço é modesto, mas acolhedor,
decorado com quadros de paisagens que ele mesmo pintou em momentos de
inspiração. Ao seu lado, sempre, está a fiel companheira, uma cadela
chamada Bolota, que se tornou sua única fonte de amor e alegria.
A
rotina de Luca é marcada pela solidão. Os dias começam com o sol tímido
percorrendo suas janelas, e o primeiro som que ouve é o leve arranhar
das patas de Bolota no chão de madeira. Ela se aproxima, balançando o
rabo, e isso, por um breve momento, desvanece a nuvem que paira sobre
seu coração. Com um carinho suave, Luca a cumprimenta, e, juntos, eles
se preparam para mais um dia que se desenha no horizonte.
Nos
últimos anos, a vida de Luca tomou um rumo inesperado. A família, antes
unida, se desfez em desentendimentos e distâncias. Os amigos, que não
eram muitos, foram se afastando, cada um mergulhando em suas próprias
rotinas e compromissos. A solidão se tornou a constante e, com o passar
do tempo, ele aprendeu a conviver com essa dor. Mas a presença de
Bolota, com seu olhar profundo e amoroso, trazia um pouco de luz a essa
escuridão.
As
tardes se perdem em longas caminhadas no parque, onde Luca observa as
famílias se reunindo, as crianças brincando, e os sorrisos
compartilhados. Cada risada que ecoa ao seu redor é como uma flecha que
fere seu peito. Ele vê pais segurando as mãos dos filhos, amigos se
abraçando, e sente a ausência de tudo isso. A tristeza se torna uma
companheira constante, uma sombra que caminha ao seu lado. Mas Bolota,
com sua energia contagiante, faz com que ele sinta que ainda há vida em
meio à dor. Ela corre livre, seu pelo brilhando sob a luz do sol, e Luca
sorri, mesmo que por um instante, ao ver a felicidade simples que ela
traz para si.
À
noite, quando a cidade se acalma e o silêncio domina o apartamento, o
vazio se intensifica. As paredes parecem ecoar sua solidão, e os
quadros, antes fontes de inspiração, agora lembram momentos de alegria
tão distantes. Ele se senta no sofá, e Bolota se aninha ao seu lado,
oferecendo a companhia que ele tanto necessita. O calor do corpo dela é
um bálsamo para sua tristeza, e ele se perde nos olhos dela, que parecem
entender sua dor.
As
conversas que antes compartilhava com a família se tornaram ecos em sua
mente. Ele relembra os jantares em família, as risadas, as histórias
contadas à mesa. Agora, as refeições são solitárias, e ele tem que
cozinhar, mesmo que o apetite tenha diminuído. Bolota, sempre atenta,
observa cada movimento, como se soubesse que ele precisa dela mais do
que nunca. Ao lado dela, Luca encontra um propósito: cuidar, amar, e ser
amado de volta.
Algumas
noites, a solidão se torna insuportável. Ele se vê preso em
pensamentos, questionando onde tudo deu errado, porque as pessoas que
amava estão tão distantes. A tristeza é palpável, quase uma entidade que
ocupa o espaço entre ele e o mundo. Mas, então, Bolota se levanta e
coloca a cabeça em seu colo, um gesto simples, mas cheio de significado.
A conexão entre eles é eterna; ela não precisa de palavras para
expressar seu amor. E, por um momento, Luca percebe que, mesmo na
solidão, não está completamente só.
O
tempo passa, e as estações mudam. O inverno traz o frio, e Luca se vê
cercado pela escuridão mais intensa. As noites são longas, mas Bolota se
torna seu cobertor, aquecendo seu coração. Ele aprende a encontrar
beleza nas pequenas coisas: o jeito como ela corre atrás das folhas
secas, como se cada uma fosse uma nova aventura. A vida, embora marcada
pela solidão, ainda reserva pequenos momentos de alegria.
Ele
se dá conta de que a solidão não é apenas dor; é também um espaço para
reflexão e crescimento. Com Bolota ao seu lado, ele começa a redescobrir
a arte de viver. A cadela se torna sua musa, inspirando-o a escrever, a
pintar, a capturar a essência do amor que ainda existe entre eles. Em
cada traço, em cada palavra, Luca expressa sua gratidão por ter alguém
que o ama incondicionalmente.
E
assim, dia após dia, Luca e Bolota continuam sua jornada. A solidão
pode ser um fardo, mas também é um espaço onde o amor verdadeiro pode
florescer. Ele sabe que, mesmo na ausência de pessoas, o amor se
manifesta de formas inesperadas. Bolota, com seu olhar profundo e
afetuoso, mostra que a felicidade pode ser encontrada mesmo nos momentos
mais sombrios.
Às
vezes, enquanto observa a cidade adormecer pela janela, Luca sorri ao
perceber que, apesar de tudo, ele não está completamente só. A solidão
pode envolver seu ser, mas o amor de sua cadela ilumina até os cantos
mais escuros de sua alma. E isso, ele sabe, é um presente que poucos têm
a sorte de receber.
Fontes
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR:Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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