Em uma noite quente de janeiro de 1996, São Paulo pulsava com sua energia inconfundível. Nós, recém-casados, estávamos começando nossa vida juntos, em um apartamento simples perto do Bexiga. Foram tempos de descobertas, de montar um lar, de aprender a dividir o espaço, os sonhos e, claro, o amor pelos bichos. Naquele período, ganhamos uma gata persa, a Kika, um presente que trouxe ainda mais vida para o nosso pequeno mundo.
Kika chegou grávida, e lembro que foi no mesmo dia em que fomos assistir ao show do Robert Plant e Jimmy Page no Pacaembu. Kika deu à luz a sete gatinhos. Sete pequenas vidas, cada uma com sua particularidade, espalhando-se pelo apartamento e enchendo cada canto com miados e travessuras. Mas foi um deles que roubou meu coração desde o momento em que o peguei no colo — um azulzinho acinzentado, de pelos macios como nuvens e olhar curioso (conhecido por Persa Azul Britânico). Chamamos ele de Lad, e foi como se uma conexão imediata tivesse sido estabelecida. Ele era meu. Meu gato, meu amigo.
Lad era diferente dos irmãos. Enquanto os outros eram arteiros, incansáveis em sua busca por confusão, Lad era tranquilo, quase introspectivo. Doamos os outros filhotes, mas não havia dúvida de que Lad ficaria conosco. Ele cresceu rápido, transformando-se em um gato enorme, de quase seis quilos, mas sem nunca perder aquele ar doce e sereno que conquistava a todos. Todas as noites, sem exceção, ele era embalado em meus braços até dormir. Era um ritual nosso, algo que se tornou tão natural quanto respirar. E, claro, ele ganhou muitos apelidos ao longo do tempo, mas o favorito era "Barriga de pudim". Apertar aquela barriguinha macia era irresistível, e Lad parecia gostar da atenção, ronronando baixinho como se concordasse com o carinho.
Quando nos mudamos para Taboão da Serra, Lad assumiu um novo papel. Ao lado de sua mãe, Kika, tornou-se o líder do grupo. Ele tinha uma presença marcante, mas nunca precisou ser agressivo para se impor. Era um líder natural, respeitado pelos outros gatos e até por nós. E, como todo bom líder, era protetor. Lembro de uma ocasião em que estávamos no quintal da frente com sua filha, Cerydween, quando um vizinho apareceu com um gato. Antes que percebêssemos, Lad veio como um raio de dentro de casa, posicionando-se entre a filha e o visitante. Não precisou de um único arranhão — apenas sua postura foi suficiente para deixar claro que ninguém mexeria com sua família. Esse era Lad: forte, protetor e, ao mesmo tempo, pacífico.
Mas nem sempre a paz reinava. O Floquinho, um gato angorá, queria a todo custo tomar a liderança de Lad. Lad, em sua tranquilidade, evitava confrontos, preferindo ignorar as provocações. Até que, certo dia, Floquinho o encurralou no andar de baixo. Eu estava lá e vi o que aconteceu: Lad, que sempre evitava brigas, se transformou. Com um só movimento, deu um chega pra lá tão firme no adversário que nunca mais ousou desafiá-lo. Era como se Lad dissesse: "Eu sou tranquilo, mas não abuse."
Lad também tinha uma amizade especial com Maya, nossa cachorra pastora/akita. Eles costumavam passar horas juntos no quintal de baixo, uma dupla improvável, mas inseparável. E quando fomos para Curitiba, a família maior, com novos gatos, trouxe ainda mais dinâmica para a vida de Lad. Ele gostava especialmente de Gwyddion, um gato sapeca com quem adorava brincar no quintal. Os dois deixavam Maya sem ação, correndo de um lado para o outro, como se estivessem tramando alguma travessura.
Com o passar do tempo, Lad começou a mudar. A castração o tornou mais preguiçoso. Já não era mais aquele gato ativo e brincalhão de antes. Mas, para mim, ele continuava sendo o meu gatinho do coração. Mesmo com seus quase seis quilos, eu ainda o segurava nos braços todas as noites até que ele dormisse. Era uma rotina que eu jamais abandonaria, mesmo quando meus braços começavam a protestar pelo peso.
Em 2001, nossa jornada nos levou a Ubiratã. Lad já não era mais o mesmo. Ele foi diagnosticado com urolitíase felina, uma condição que o deixava cada vez mais frágil. Passava boa parte do tempo dormindo, e sua energia parecia ter se esvaído. Ainda assim, era impossível não vê-lo como o mesmo Lad de sempre — meu companheiro, meu amigo fiel. Até que, na tarde de 9 de novembro de 2002, o encontrei morto na sala. Ele tinha quase sete anos. Sete anos de uma vida que marcou a minha em profundidade.
A dor da perda foi avassaladora. Por uma semana, chorei como nunca havia chorado antes. Era como se uma parte de mim tivesse ido com ele. Lad não era apenas um gato; ele era uma presença constante, uma fonte de conforto, de alegria, de amor incondicional. A ausência dele deixou um vazio que parecia impossível de preencher.
Hoje, quando penso em Lad, é com saudade, mas também com gratidão. Ele foi muito mais do que um animal de estimação. Foi um amigo, um companheiro, uma prova viva de que o amor pode se manifestar nas formas mais simples e puras. E, sempre que fecho os olhos, consigo vê-lo novamente, com sua "barriga de pudim", ronronando baixinho nos meus braços, como se o tempo nunca tivesse passado.
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