Há nomes que trazem peso só de serem pronunciados. Cookie — o Negão — carregava esse peso com a dignidade de quem sabe que a sombra também é parte da luz. Nasceu em Curitiba, em 10 de outubro de 2000, fruto do encontro entre Nuhtara Dahab, a siamesa e Floco de Neve, o angorá conhecido como Floquinho. Dele e do irmão Cotton Candy, cada um herdou uma porção do costume de ser: o Branco acomodado e macio; o Negão imponente, atento, dono de um porte que parecia anterior ao próprio nome.
Negro no corpo, porém às vezes rubro sob a incidência do sol, Cookie tinha essa qualidade única que só se revela aos que o veem muitas vezes: a pelagem parecia guardar um segredo de cores, como se a luz contasse histórias que ele mantinha para si. Era um preto que aceitava as nuances e mostrava, sem pressa, seus recantos. Isso, de certa forma, era semelhante ao seu temperamento: à primeira vista fechado e imponente, tinha sutilezas que se revelavam aos poucos — afeto contido, heroísmo discreto, uma generosidade de presença que não precisava de palavras.
Com a morte do pai, quando a casa estava aos cuidados da mãe, Cookie assumiu o posto ao lado dela. Nuhtara e ele formaram uma dupla que impunha respeito sem criar medo. Eram a lei e a misericórdia ao mesmo tempo: ele enfrentava quem fosse quando preciso — e enfrentava com uma firmeza que raramente se transformava em violência gratuita. Nunca me lembro de uma briga feia com ele como protagonista; havia, sim, confrontos que ele sabia resolver com olhares, posicionamento e autoridade. Liderança, afinal, não é somente força: é também proporção, timing e a paciência de quem sabe quando intervir.
Cookie era, ao mesmo tempo, um líder e um cuidador. Não teve filhos — foi castrado —, mas foi pai de tantas outras que a palavra pai lhe assentava como título. Quando a Biba entrou em depressão, eu trouxe-a para o meu quarto com a tarefa de aconchegá-la e fazê-la sentir mais segura. Cookie pareceu entender essa necessidade como quem reconhece um ofício sagrado: ficou deitado com ela, sempre por perto, mantendo uma vigilância calma. Eles dormiam juntos; havia entre eles uma intimidade que lembrava os arranjos das famílias que se sustentam por afinidade mais do que por laços de sangue. Era lindo vê-los, lado a lado, compondo uma imagem de proteção.
Ele era extrovertido na medida certa. Gostava de presença, de ser visto, de fazer-se notar. E aí residia sua graça: a mesma personalidade que assumia liderança também sabia se recolher e deixar que a ternura fluísse. Quando eu me deitava, vinha aquele hábito que eu tanto adorava: Cookie se esfregava na minha mão, suavemente, e mordiscava como quem lembra da infância — mordidas leves, que não feriam, só marcavam o afeto. Era um gesto antigo e íntimo, de pertencimento. Às vezes me mordiscava: brincadeira ou sinal de atenção. Sempre entendia como um convite ao contato.
Mas havia uma realidade física que marcava a presença dele: a obesidade. Era um gato grande, pesado — cerca de 12 quilos — e o peso dele fazia parte do seu caráter: corpulento, de passos decididos, praticamente um sofá ambulante quando se acomodava. Gostava do guarda-roupa do meu quarto, de se empoleirar lá em cima e, com o salto certeiro, cair na cama como quem faz um pouso planejado. Ficava pendurado às vezes no guarda-roupa nas patas dianteiras, e eu tinha a tarefa rotineira de empurrá-lo para cima. A cena trazia riso e cuidado: um corpo enorme equilibrando-se entre mobiliário e o desejo de ter o melhor lugar do quarto. Quando eu estava deitado, ele pulava do guarda-roupa direto para a cama; eu, conhecendo o peso do salto, me afastava para não ser esmagado. Que gato pesado, "vixi" — e, ao mesmo tempo, tão querido que ninguém reclamava quando ele ocupava todo o espaço disponível.
Cookie também tinha uma relação incomum com as cadelas do quintal: saía e deitava-se com elas; elas o adoravam e lambiam-no como se aquele fosso entre espécies não existisse mais. Era como ver velhos amigos reencontrando-se — o grande gato preto ao lado das cadelas, partilhando o sol, partilhando cochilos. Ele era o chefe que aceitava alianças, que permitia ternura mútua. Ninguém melhor do que ele para manter a ordem e a paz entre tantas vozes diferentes.
A morte dele foi brusca, no meio de um movimento confuso. Em 1º de março de 2011, em Ubiratã, durante a mudança, o medo tomou conta. O mundo que ele conhecia virou um lugar de barulho e incerteza; assustado, subiu no telhado — e a queda foi fatal. O corpo grande e pesado não resistiu ao impacto. Foi um fim que cortou a sala em dois: de um lado as memórias de risos e ternura, de outro o espaço vazio onde ficava o grande gato que nos segurava. A imagem dele caindo e não se levantando ficou marcada com a dureza de um acidente que não se espera.
Sinto falta de coisas pequenas que, juntas, eram toda a imensidão dele: o esforço de agarrar a minha mão com as garras macias, o mordiscar carinhoso, o ronron que parecia vir do centro do mundo, o salto que me fazia pular da cama e rir. Sinto falta de sua respiração calma e do jeito como assumia o comando sem alardes. Sinto falta do paizão que estava sempre pronto para um aconchego para quem precisasse.
Cookie foi, para mim, exemplo de como a autoridade pode ser tida com ternura. Era um chefe que sabia cuidar; um gato que ousou amar sem precisar dividir o trono. Sua presença ensinou que proteção, às vezes, é feita de calor e de pequenas mordidas que marcam a afeição. Esses pequenos seres nos aproximam da divindade: nos lembram de que existe algo sagrado no cuidado cotidiano, na paciência e na lealdade.
Ao escrever sobre ele, a lembrança se estende: vejo o corpo negro com reflexos avermelhados correndo ao sol, o pelo brilhando, a barriga grande balançando nos passinhos lentos; vejo-o na cama, esticando as patas; vejo-o com a Biba, em silêncio, fazendo companhia; vejo-o descendo do guarda-roupa e eu fugindo para não ser esmagado. E, no final, lembro sua queda — e a lição que a perda dá, dura e necessária: que amor também é aceitar a ausência e carregar a memória como um calor que não se apaga.
Cookie deixou um espaço que nenhum outro ser soube ocupar do mesmo jeito. Foi o rei que não usou coroa, o pai que nunca teve filhotes, o amigo que se mantinha ao lado. Fica a saudade e a certeza de que, enquanto houver lembrança, ele continua a mandar — agora em outro lugar, quem sabe, onde os telhados não assustem e as quedas não doam. Até sempre, Negão.

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