segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Cookie (Negão)


 Há nomes que trazem peso só de serem pronunciados. Cookie — o Negão — carregava esse peso com a dignidade de quem sabe que a sombra também é parte da luz. Nasceu em Curitiba, em 10 de outubro de 2000, fruto do encontro entre Nuhtara Dahab, a siamesa e Floco de Neve, o angorá conhecido como Floquinho. Dele e do irmão Cotton Candy, cada um herdou uma porção do costume de ser: o Branco acomodado e macio; o Negão imponente, atento, dono de um porte que parecia anterior ao próprio nome.

Negro no corpo, porém às vezes rubro sob a incidência do sol, Cookie tinha essa qualidade única que só se revela aos que o veem muitas vezes: a pelagem parecia guardar um segredo de cores, como se a luz contasse histórias que ele mantinha para si. Era um preto que aceitava as nuances e mostrava, sem pressa, seus recantos. Isso, de certa forma, era semelhante ao seu temperamento: à primeira vista fechado e imponente, tinha sutilezas que se revelavam aos poucos — afeto contido, heroísmo discreto, uma generosidade de presença que não precisava de palavras.

Com a morte do pai, quando a casa estava aos cuidados da mãe, Cookie assumiu o posto ao lado dela. Nuhtara e ele formaram uma dupla que impunha respeito sem criar medo. Eram a lei e a misericórdia ao mesmo tempo: ele enfrentava quem fosse quando preciso — e enfrentava com uma firmeza que raramente se transformava em violência gratuita. Nunca me lembro de uma briga feia com ele como protagonista; havia, sim, confrontos que ele sabia resolver com olhares, posicionamento e autoridade. Liderança, afinal, não é somente força: é também proporção, timing e a paciência de quem sabe quando intervir.

Cookie era, ao mesmo tempo, um líder e um cuidador. Não teve filhos — foi castrado —, mas foi pai de tantas outras que a palavra pai lhe assentava como título. Quando a Biba entrou em depressão, eu trouxe-a para o meu quarto com a tarefa de aconchegá-la e fazê-la sentir mais segura. Cookie pareceu entender essa necessidade como quem reconhece um ofício sagrado: ficou deitado com ela, sempre por perto, mantendo uma vigilância calma. Eles dormiam juntos; havia entre eles uma intimidade que lembrava os arranjos das famílias que se sustentam por afinidade mais do que por laços de sangue. Era lindo vê-los, lado a lado, compondo uma imagem de proteção.

Ele era extrovertido na medida certa. Gostava de presença, de ser visto, de fazer-se notar. E aí residia sua graça: a mesma personalidade que assumia liderança também sabia se recolher e deixar que a ternura fluísse. Quando eu me deitava, vinha aquele hábito que eu tanto adorava: Cookie se esfregava na minha mão, suavemente, e mordiscava como quem lembra da infância — mordidas leves, que não feriam, só marcavam o afeto. Era um gesto antigo e íntimo, de pertencimento. Às vezes me mordiscava: brincadeira ou sinal de atenção. Sempre entendia como um convite ao contato.

Mas havia uma realidade física que marcava a presença dele: a obesidade. Era um gato grande, pesado — cerca de 12 quilos — e o peso dele fazia parte do seu caráter: corpulento, de passos decididos, praticamente um sofá ambulante quando se acomodava. Gostava do guarda-roupa do meu quarto, de se empoleirar lá em cima e, com o salto certeiro, cair na cama como quem faz um pouso planejado. Ficava pendurado às vezes no guarda-roupa nas patas dianteiras, e eu tinha a tarefa rotineira de empurrá-lo para cima. A cena trazia riso e cuidado: um corpo enorme equilibrando-se entre mobiliário e o desejo de ter o melhor lugar do quarto. Quando eu estava deitado, ele pulava do guarda-roupa direto para a cama; eu, conhecendo o peso do salto, me afastava para não ser esmagado. Que gato pesado, "vixi" — e, ao mesmo tempo, tão querido que ninguém reclamava quando ele ocupava todo o espaço disponível.

Cookie também tinha uma relação incomum com as cadelas do quintal: saía e deitava-se com elas; elas o adoravam e lambiam-no como se aquele fosso entre espécies não existisse mais. Era como ver velhos amigos reencontrando-se — o grande gato preto ao lado das cadelas, partilhando o sol, partilhando cochilos. Ele era o chefe que aceitava alianças, que permitia ternura mútua. Ninguém melhor do que ele para manter a ordem e a paz entre tantas vozes diferentes.

A morte dele foi brusca, no meio de um movimento confuso. Em 1º de março de 2011, em Ubiratã, durante a mudança, o medo tomou conta. O mundo que ele conhecia virou um lugar de barulho e incerteza; assustado, subiu no telhado — e a queda foi fatal. O corpo grande e pesado não resistiu ao impacto. Foi um fim que cortou a sala em dois: de um lado as memórias de risos e ternura, de outro o espaço vazio onde ficava o grande gato que nos segurava. A imagem dele caindo e não se levantando ficou marcada com a dureza de um acidente que não se espera.

Sinto falta de coisas pequenas que, juntas, eram toda a imensidão dele: o esforço de agarrar a minha mão com as garras macias, o mordiscar carinhoso, o ronron que parecia vir do centro do mundo, o salto que me fazia pular da cama e rir. Sinto falta de sua respiração calma e do jeito como assumia o comando sem alardes. Sinto falta do paizão que estava sempre pronto para um aconchego para quem precisasse.

Cookie foi, para mim, exemplo de como a autoridade pode ser tida com ternura. Era um chefe que sabia cuidar; um gato que ousou amar sem precisar dividir o trono. Sua presença ensinou que proteção, às vezes, é feita de calor e de pequenas mordidas que marcam a afeição. Esses pequenos seres nos aproximam da divindade: nos lembram de que existe algo sagrado no cuidado cotidiano, na paciência e na lealdade.

Ao escrever sobre ele, a lembrança se estende: vejo o corpo negro com reflexos avermelhados correndo ao sol, o pelo brilhando, a barriga grande balançando nos passinhos lentos; vejo-o na cama, esticando as patas; vejo-o com a Biba, em silêncio, fazendo companhia; vejo-o descendo do guarda-roupa e eu fugindo para não ser esmagado. E, no final, lembro sua queda — e a lição que a perda dá, dura e necessária: que amor também é aceitar a ausência e carregar a memória como um calor que não se apaga.

Cookie deixou um espaço que nenhum outro ser soube ocupar do mesmo jeito. Foi o rei que não usou coroa, o pai que nunca teve filhotes, o amigo que se mantinha ao lado. Fica a saudade e a certeza de que, enquanto houver lembrança, ele continua a mandar — agora em outro lugar, quem sabe, onde os telhados não assustem e as quedas não doam. Até sempre, Negão.

Cotton Candy (Branco)


Há nomes que entram na vida como quem anuncia um cheiro doce, leve, impossível de confundir. Cotton Candy — ou simplesmente Branco, como o chamávamos — tinha esse nome e esse cheiro de memória. Nasceu em Curitiba, no dia 10 de outubro de 2000, filho de Nuhtara Dahab, irmão do Negão (Cookie). Veio ao mundo num parto difícil, estava de costas, uma veterinária foi nos orientando para fazer o procedimento: precisou ser puxado de dentro da mãe pela cauda, um gesto áspero de desespero que deixou marcas. Parte do rabo quebrou; depois, com o tempo, cresceu de novo, e o mundo parecia ter devolvido a ele um rabo grande, como se a vida quisesse compensar a violência do nascimento com uma promessa de abundância.

Cotton Candy era, antes de tudo, um sedentário por vocação. Não era feito para correr atrás de borboletas ou escalar alturas com frenesi. Ele tinha o dom — raro e comovente — de saber que a vida inteira cabe num cochilo bem dado. Passava as horas dobrado numa nuvem de pelos, olhos semiabertos, gozando de uma paz que parecia estudada. Se havia disputa na casa, ele não tomava partido; se havia briga, ele escolhia não participar. Havia, nele, uma elegância de quem prefere observar o mundo como um espectador confortável ao invés de um ator barulhento.

Mesmo acomodado, Branco nunca foi problema para ninguém. Não procurava confusão; não era de arrumar encrenca. Isso o tornava, entre tantos irmãos e tantos gatos, uma espécie de neutralidade felina: um ponto de paz no borbulhar cotidiano. Às vezes a gente ria, porque dava para ver que ele gostava mesmo era de ser carinho ambulante — e quando vinham visitas, havia sempre a mesma surpresa: “Mas esse é de pelúcia?”, alguém perguntava, encantado pela pelagem branca, farta e macia. Ele aceitou os afagos como quem aceita a vida: com naturalidade e sem pressa.

Apesar dessa disposição para o sossego, havia um grupo de companhia que acompanhou sua vida nos anos seguintes: quando nos mudamos para Maringá, Branco assumiu um papel que surpreendia pela ternura. Ele cuidou da Nikita — que estava abalada pela perda do irmão Nick — e se aproximou da mãe dela, a Biba (Ayllin). A tríade Branco–Nikita–Biba virou rotina de afeto: eles apareciam juntos, como quem formaliza um pacto de proteção. Nikita buscava em Branco uma segurança de que precisava depois da dor; Branco, por sua vez, parecia entender essa necessidade sem esforço. Brincavam no meu quarto; muitas vezes eu encontrava os dois enrolados, como se Branco concordasse com o mundo desde que a paz fosse preservada.

Branco tinha uma história de corpo que marcava sua presença. Havia uma bola na cabeça — um tumor que se assentava ali, uma mancha de anatomia que o pediatra felino disse não valer a pena remover. Segundo ele, o tumor cresceria novamente se retirado, e se não incomodava o gato e não lhe causava dor, o melhor caminho era deixá-lo. E assim Branco seguiu com sua bola — uma protuberância silenciosa que, de certo modo, o tornou ainda mais singular. Era parte dele, como uma cicatriz que lembra de batalhas vencidas. Nunca reclamou, nunca pareceu sofrer por causa dela; estava lá, uma marca constante que nos lembrava que o corpo pode carregar estranhezas sem perder a serenidade.

A vida de Branco era um ritmo próprio: comer, dormir, receber um afago, dormir de novo. Era um especialista no ofício do descanso. Havia uma paz que se espalhava quando ele se deitava; a casa tinha um ponto de calma quando o Branco repousava. Mas o tempo não perdoa. Aos quase 15 anos, a enfermidade veio como uma sentença gradual e invisível: falência dos órgãos, algo que não se anuncia com barulho até que o corpo, lânguido, começa a falhar. Foi assim que ele nos deixou, em 9 de março de 2015, em Maringá — deixando um vazio de pelagem branca. Era como se um objeto feito de algodão tivesse sido arrancado do móvel onde habitava; a textura do lar mudou.

A morte de Branco chegou sem grande espetáculo; era o término natural de um corpo que vivera com moderação. Mas a ausência que ficou foi profunda. Para quem conviveu com tantos temperamentos felinos — com a autoridade da Nuhtara, a energia do Cookie, a agitação de outros tantos — Branco representava um remanso. Quando ele se foi, a casa perdeu uma cama aquecida, uma almofada ambulante e uma espécie de mediador silencioso. Perdeu também a lembrança de um cuidado simples: a maneira como ele, apenas sendo, aceitava acolher a vulnerabilidade dos outros, como naquelas tardes em que a Nikita lhe buscava proximidade após perdas.

Há memórias que se fixam em pequenos gestos: a forma como ele se espreguiçava ao sol; a forma do corpo ficando na almofada onde dormia; a bola discreta que moldava seu perfil; o rabo que se recuperou do parto difícil, ondulando longo e generoso. E havia, sempre, a impressão de que ele fazia um trabalho íntimo e essencial: ensinar que a presença calma pode ser um cuidado tão forte quanto a coragem dos que ousam enfrentar o mundo. Branco provava que a neutralidade não é frieza; é, sim, escolha de quem quer preservar harmonia.

Quando penso nele, o que vem primeiro não é a forma do rabo ou a protuberância na cabeça, mas a sensação do toque — da pelagem macia entre os dedos e da tranquilidade que ele transmitia. Era como se, naquela carcaça branca e tranquila, o mundo encontrasse um pequeno remanso. E é esse remanso que sinto falta: o calor imóvel que acalmava os passos da casa, a fidelidade sem exigência, a presença que dizia mais em silêncio do que em miados.

Cotton Candy viveu quase quinze anos. A sua história — do obstáculo no nascimento até a calmaria final — é uma lição sobre modos de estar no mundo. Não era um gato de grandes feitos; era, porém, um soberano dentro de suas limitações. Deixou-nos a prova de que existir de forma suave pode ser, por si só, um gesto de coragem. E quando ecoa a lembrança dele em nossa casa, o que fica é um espaço mais tranquilo, como se a ausência dele tivesse trazido a lembrança de um abraço: de pelagem, de calor e de uma paciência que só alguns seres pequenos carregam consigo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Lad

 

Em uma noite quente de janeiro de 1996, São Paulo pulsava com sua energia inconfundível. Nós, recém-casados, estávamos começando nossa vida juntos, em um apartamento simples perto do Bexiga. Foram tempos de descobertas, de montar um lar, de aprender a dividir o espaço, os sonhos e, claro, o amor pelos bichos. Naquele período, ganhamos uma gata persa, a Kika, um presente que trouxe ainda mais vida para o nosso pequeno mundo.

Kika chegou grávida, e lembro que foi no mesmo dia em que fomos assistir ao show do Robert Plant e Jimmy Page no Pacaembu. Kika deu à luz a sete gatinhos. Sete pequenas vidas, cada uma com sua particularidade, espalhando-se pelo apartamento e enchendo cada canto com miados e travessuras. Mas foi um deles que roubou meu coração desde o momento em que o peguei no colo — um azulzinho acinzentado, de pelos macios como nuvens e olhar curioso (conhecido por Persa Azul Britânico). Chamamos ele de Lad, e foi como se uma conexão imediata tivesse sido estabelecida. Ele era meu. Meu gato, meu amigo.

Lad era diferente dos irmãos. Enquanto os outros eram arteiros, incansáveis em sua busca por confusão, Lad era tranquilo, quase introspectivo. Doamos os outros filhotes, mas não havia dúvida de que Lad ficaria conosco. Ele cresceu rápido, transformando-se em um gato enorme, de quase seis quilos, mas sem nunca perder aquele ar doce e sereno que conquistava a todos. Todas as noites, sem exceção, ele era embalado em meus braços até dormir. Era um ritual nosso, algo que se tornou tão natural quanto respirar. E, claro, ele ganhou muitos apelidos ao longo do tempo, mas o favorito era "Barriga de pudim". Apertar aquela barriguinha macia era irresistível, e Lad parecia gostar da atenção, ronronando baixinho como se concordasse com o carinho.

Quando nos mudamos para Taboão da Serra, Lad assumiu um novo papel. Ao lado de sua mãe, Kika, tornou-se o líder do grupo. Ele tinha uma presença marcante, mas nunca precisou ser agressivo para se impor. Era um líder natural, respeitado pelos outros gatos e até por nós. E, como todo bom líder, era protetor. Lembro de uma ocasião em que estávamos no quintal da frente com sua filha, Cerydween, quando um vizinho apareceu com um gato. Antes que percebêssemos, Lad veio como um raio de dentro de casa, posicionando-se entre a filha e o visitante. Não precisou de um único arranhão — apenas sua postura foi suficiente para deixar claro que ninguém mexeria com sua família. Esse era Lad: forte, protetor e, ao mesmo tempo, pacífico.

Mas nem sempre a paz reinava. O Floquinho, um gato angorá, queria a todo custo tomar a liderança de Lad. Lad, em sua tranquilidade, evitava confrontos, preferindo ignorar as provocações. Até que, certo dia, Floquinho o encurralou no andar de baixo. Eu estava lá e vi o que aconteceu: Lad, que sempre evitava brigas, se transformou. Com um só movimento, deu um chega pra lá tão firme no adversário que nunca mais ousou desafiá-lo. Era como se Lad dissesse: "Eu sou tranquilo, mas não abuse."

Lad também tinha uma amizade especial com Maya, nossa cachorra pastora/akita. Eles costumavam passar horas juntos no quintal de baixo, uma dupla improvável, mas inseparável. E quando fomos para Curitiba, a família maior, com novos gatos, trouxe ainda mais dinâmica para a vida de Lad. Ele gostava especialmente de Gwyddion, um gato sapeca com quem adorava brincar no quintal. Os dois deixavam Maya sem ação, correndo de um lado para o outro, como se estivessem tramando alguma travessura.

Com o passar do tempo, Lad começou a mudar. A castração o tornou mais preguiçoso. Já não era mais aquele gato ativo e brincalhão de antes. Mas, para mim, ele continuava sendo o meu gatinho do coração. Mesmo com seus quase seis quilos, eu ainda o segurava nos braços todas as noites até que ele dormisse. Era uma rotina que eu jamais abandonaria, mesmo quando meus braços começavam a protestar pelo peso.

Em 2001, nossa jornada nos levou a Ubiratã. Lad já não era mais o mesmo. Ele foi diagnosticado com urolitíase felina, uma condição que o deixava cada vez mais frágil. Passava boa parte do tempo dormindo, e sua energia parecia ter se esvaído. Ainda assim, era impossível não vê-lo como o mesmo Lad de sempre — meu companheiro, meu amigo fiel. Até que, na tarde de 9 de novembro de 2002, o encontrei morto na sala. Ele tinha quase sete anos. Sete anos de uma vida que marcou a minha em profundidade.

A dor da perda foi avassaladora. Por uma semana, chorei como nunca havia chorado antes. Era como se uma parte de mim tivesse ido com ele. Lad não era apenas um gato; ele era uma presença constante, uma fonte de conforto, de alegria, de amor incondicional. A ausência dele deixou um vazio que parecia impossível de preencher.

Hoje, quando penso em Lad, é com saudade, mas também com gratidão. Ele foi muito mais do que um animal de estimação. Foi um amigo, um companheiro, uma prova viva de que o amor pode se manifestar nas formas mais simples e puras. E, sempre que fecho os olhos, consigo vê-lo novamente, com sua "barriga de pudim", ronronando baixinho nos meus braços, como se o tempo nunca tivesse passado.

domingo, 9 de novembro de 2025

Lady

 

Lady nasceu em uma manhã de inverno, em 28 de junho de 2003, numa cidadezinha chamada Ubiratã. Filha da Baby e do Cotton Candy, ela veio ao mundo carregando o peso de um nome que parecia predestinado: Lady. E Lady ela foi, em tudo. No porte, no olhar altivo, no jeito elegante de se mover pela casa. Era como se soubesse que sua presença exigia respeito, mesmo que fosse apenas uma pequena bola de pelos macios e tricolor. Seus pais a criaram com todo o amor que um lar pode oferecer, e talvez por isso ela tenha crescido com aquela aura de realeza serena.

No início, confesso que não fui muito com a cara dela. Achava-a esnobe, um tanto distante, como se estivesse sempre acima de nós, meros mortais. Mas não dá para negar que ela era tranquila. Lady nunca arrumou confusão, nunca perdeu a compostura. Ela entendia seu lugar na hierarquia felina e respeitava a liderança da Nuhtara, a chefe. No entanto, onde Lady realmente mostrava sua lealdade era na relação com sua irmã Polly. As duas eram inseparáveis, como se compartilhassem um segredo que ninguém mais pudesse entender.

Minha esposa, por outro lado, era o centro do mundo de Lady. Elas tinham uma conexão única, quase mágica. Lady parecia feita para ela, sempre grudada, sempre presente. A casa era o reino de Lady, mas minha esposa era a sua rainha. Quando nos mudamos para Maringá, a dinâmica mudou um pouco. Minha esposa yeve que se mudar a trabalho, e foi então que Lady e eu começamos a nos aproximar. Foi um processo lento, discreto, como se ela me testasse, avaliando se eu era digno da sua confiança. E aos poucos, fui descobrindo nela algo além da postura altiva: havia uma doçura imensa, escondida por trás do olhar aristocrático.

Em 2015, veio o primeiro golpe. Lady teve um AVC. Foi desesperador vê-la tão vulnerável, tão diferente da gata elegante e autossuficiente que sempre foi. Sua cabeça inclinada para o lado era o reflexo físico de sua luta interna. Ela não conseguia se alimentar sozinha, não conseguia andar sem ajuda. Foi aí que a nossa relação mudou de vez. Passei a ajudá-la em tudo: a comer, a ir ao banheiro, a se locomover pela casa. E foi nesse cuidado diário, nessa convivência intensa, que meu coração se abriu por completo para ela. Lady, antes a gata da minha esposa, tornou-se também minha companheira.

Mas a vida é cruel, e o tempo nem sempre nos dá as segundas chances que desejamos. Em 2 de julho de 2015, poucos dias após completar 12 anos, Lady teve outro AVC. Desta vez, seu coraçãozinho não resistiu. Foi como se um machado tivesse partido o meu ao meio. A dor foi indescritível, uma espécie de vazio que parecia não ter fim. Lady havia se transformado em mais do que uma gata para mim; ela era família, um pedaço essencial da nossa história.

Hoje, quando penso em Lady, não é apenas com tristeza. É com gratidão. Gratidão por ter tido a chance de compartilhar a vida com ela, por ter aprendido o que é amor e cuidado em momentos de fragilidade. Lady foi, de fato, uma lady em tudo: na maneira como viveu, na serenidade com que enfrentou as dificuldades, e até na forma digna como partiu. Ela deixou um espaço que nunca será preenchido, mas também deixou memórias que nunca se apagarão.

Lady, a gata que nasceu para ser rainha, agora reina em um lugar especial, onde o amor é eterno e a dor da saudade é apenas o reflexo de tudo o que vivemos juntos.

domingo, 2 de novembro de 2025

Nick


 Há animais cujo lugar no mundo é tão certo quanto a gravidade: não é preciso entender como se dá o milagre, basta vê-los existir e todo o resto se rearranja para fazer sentido. Nick nasceu em Ubiratã em 15 de novembro de 2003, fruto do encontro entre a Biba — Ayllin, mãe amorosa — e o Branco (Cotton Candy), que também tinha no gesto o carinho fácil. Do par saiu apenas um filhote, como se a sorte tivesse decidido concentrar uma história inteira num só corpo felpudo. Era pequeno e era urgente: um pedaço de ternura pronto para incendiar a casa.

Logo cedo ficou evidente que, apesar do amor de mãe e do afeto do pai, Nick corria o risco de se sentir sozinho. O Branco e a Biba davam o colo e amor, mas brincar é coisa que multiplica quando há pares, e para um filhote a presença de um outro companheiro é escola e porto. Aos três meses, pensando nisso, levei-o para junto do Nino — que tinha só dois meses a mais e sem lar fixo, a Nuhtara o acolhera —, pedindo à Nuhtara que o aceitasse como parceiro de traquinagens. Nuhtara acolheu, e o duo encontrou uma vida compartilhada: Nick parou de procurar e começou a habitar. Dormia com a mãe, brincava com o Nino, e a casa começou a ter outro compasso, um compasso de patas e de disputa por atenção.

Niquinho, como o chamávamos com um antegozo de afeto, era dupla natureza: doce e, ao mesmo tempo, um encrenqueiro de marca maior. Se uma briga entre gatos surgia, era quase certo que Nick estaria no centro. Não por maldade — muitas vezes por uma curiosidade maluca, pela coragem de testar limites ou só por gostar de provocar. A casa era um palco e ele, um ator que gostava de roubar cenas. Quatro meses mais tarde nasceram três gatas, filhas da Biba com o Negão (Cookie), e o pequeno então passou a conviver mais ainda com as irmãs: era comum ver o sofá tomado por um balaio de gatas, um amontoado de corpos, e o Nick no meio, aninhado como se fosse sempre a melhor posição do mundo.

A castração veio como tentativa de alívio às inquietações: esperávamos que, como em muitos gatos, a cirurgia temperasse a cabeça. O procedimento teve uma complicação — a veterinária conseguiu apenas uma castração parcial porque um dos testículos não foi encontrado, pequeno demais para ser localizado. Pensamos que mesmo assim ele se acalmaria; não foi o caso. Continuou aprontando, às vezes até no colo de quem o abraçava. Lembro-me de uma transgressão que aconteceu algo grave o suficiente para que eu o prendesse numa corrente numa casinha no banheiro, para que pudesse usar a bandeja; coloquei comida e água, e ali o deixei choroso. As irmãs, fiéis, iam até lá e se encolhiam junto com ele, transformando a solidão numa reunião de lealdades. Aquela tarde me apertou o peito; senti culpa e compaixão ao mesmo tempo, e acabei soltando-o. Sua prisão tinha sido um erro que me lembrou de como somos falhos e de como amar também é corrigir a si mesmo.

Mesmo depois disso, o Nick continuou suas artes: olhos azuis que encantavam quem visitava, um olhar que prendia e hipnotizava; um corpo pequeno e, às vezes, doentinho. Sofria com um problema respiratório que se agravava no frio, e por isso os cuidados eram redobrados quando as noites ficavam mais ásperas. Ainda assim, era presença constante no colo — à noite era costume tê-lo e às meninas aconchegados em nossas pernas, uma mancha de calor e conforto. A Nikita, sua irmã, estava sempre ao lado; os dois eram quase inseparáveis, e a imagem deles lado a lado é uma das que mais me acompanha quando penso nos dias de casa cheia.

O Nick tinha, enfim, a mistura rara de teimosia e vulnerabilidade: um pequeno briguento com ar de conspirador e o corpo que pedia mimos contínuos. Era querido com uma intensidade que se dava nas pequenas coisas — um arranhar leve para pedir a atenção, um salto mal calculado que virava riso, a maneira como aceitou ser amado mesmo quando aprontava. Era sentimento que se distribuía sem economia, e por isso o calor que restou depois de sua ausência não é só saudade, é também um registro do quanto ele foi importante para as rotinas, para os lares daqueles que o receberam.

Quando nos mudamos para Maringá, não foi possível levar todos; uma conhecida ofereceu-se para cuidar dele. Na época, Nick tinha oito anos e cinco meses. Depois disso, as notícias deixaram de chegar. Sei que sua saúde sempre fora frágil, e a incerteza sobre seus últimos dias pesa em mim como perguntas sem fim. Não sei quanto mais viveu — talvez pouco, talvez o suficiente. A possibilidade de que a fragilidade tenha ditado um fim breve é algo que me acompanha com um nó no peito; ainda assim, prefiro imaginar que, mesmo sob cuidados alheios, ele teve alguém que gostasse dele, que enxugasse seu miado e oferecesse um colo quando o frio raspava as frestas do corpo.

O que fica, ao fim, é a imagem do garotinho que dividia o sofá com um bando de meninas peludas, o filhote de olhos azuis sempre pronto para arranjar confusão; a cena do colo noturno onde ele e as meninas se aninhavam; a lembrança da cirurgia imperfeita e do erro meu de afligi-lo quando a impaciência falou mais alto. Fica também a certeza de que amamos, durante todos aqueles anos, um ser que nos devolveu amor em plena intensidade — nas travessuras, nas noites de doença, nas manhãs de afago.

Há um tipo de saudade que é presença: ela aparece como imagem, som e cheiro — o sopro do Nick, o silêncio entre as gatas, o vazio no canto preferido do sofá. Às vezes penso na Nikita, que tanto gostava dele, e imagino os dois juntos novamente, em algum lugar onde brigas não deixam marcas e a respiração se faz suave. Se a vida nos deu a sorte de compartilhar um pedaço dela com o Nick, então o preço que pagamos em apreensão e em perda é, de algum modo, o tributo de quem amou.  

Até sempre, Niquinho — pequeno grande encrenqueiro de olhos azuis. Que onde quer que estejas, haja alguém para amar-te e umas tantas travessuras para recontar.

sábado, 1 de novembro de 2025

Ayllin (Biba)

Buquê de Trovas à uma 
Princesa Morta 

Na aquarela desta vida
você tingiu cada flor.
Numa noite, a despedida...
louvo em versos seu amor.

Só de ternura era feito
seu coração pequenino,
de tal modo tão perfeito,
que beirava um ser divino.

Era o sol e era a garoa,
o norte e também o sul.
Era uma paz que abençoa,
era sempre um céu azul.

Era a manhã que raiava,
era o sol a iluminar,
era a noite que chegava,
era qual a brisa no ar.

Na noite, se aconchegava,
docemente junto a mim.
Um novo dia chegava...
sua ternura, o clarim.

Ayllin, Biba para os íntimos, foi um nome que chamava afeto e respondia afeto. Nasceu em Ubiratã em 25 de setembro de 2001 — sem árvores genealógicas claras, sem saber de quem eram as origens — e desde cedo deu ao mundo aquilo que poucos sabem dar sem perguntar: doçura. Era pequena de jeito e grande de ternura. Tinha um irmão chamado Bibo, e essa proximidade deu-lhe um laço que depois faria falta, quando a perda viesse.

O destino às vezes ensina suas lições com pressa. O irmão partiu cedo, com apenas dois anos, e a partida deixou um vácuo no centro dela que não se anunciava em ruídos visíveis: Ayllin recolheu-se. No começo não percebi que o isolamento não era simples timidez; era depressão, um luto que ela carregava nos pelos. Animais enlutados mostram sinais que confundimos com distância; descobri tarde demais que o corpo quieto ocultava um coração ouvindo passos que não voltavam.

Tirei-a do silêncio. Levei-a para o meu quarto, dizendo a mim mesmo que era para que ela tivesse companhia só à noite; virou-se em pergunta e resposta: ela ficou comigo sempre. Há adoções que são praticadas por mãos, outras por necessidade, e há as que se operam de alma — esta foi assim. A proximidade foi cura e ligação. Ficamos apegados de um modo que ultrapassa palavra e convenção: ela passou a dormir comigo, a exigir presença com mimos e pequenos rituais; eu passei a compreender que havia ali uma criatura inteira pedindo ser vista.

A casa, com seus labirintos e hierarquias, deu outras tramas a esse carinho. Uma das filhas de Ayllin, Cherie, tímida como a mãe às vezes ficara, também foi acolhida no quarto. E Cookie — o grande Negão, o líder do bando — que sabia ler o que os outros não diziam, começou a frequentar o quarto para apoiá-la. Formou-se assim uma assembleia de corpos que curavam feridas: a mãe apanhada pela ansiedade da perda, a filha tímida, o chefe que velava e o homem (eu) que oferecia carinho. Foram quase três anos até que Ayllin anunciasse aos poucos o retorno ao mundo: primeiro saindo pela porta, até recuperar um ritmo de saídas que antes não mais ousava.

O carinho dela tinha rituais que hoje retornam em mim com força: gostava de deitar entre as minhas pernas, ou sobre uma delas, e fazia aquele gesto ancestral dos gatos — “amassar pão”, o pisar repetido com as patinhas — como se preparasse o lugar na cama e como se conhecesse, por intuição, onde doía meu corpo. Achava sempre o músculo tenso, a coxa comprimida, e com as almofadas das patinhas massageava como quem cria alívio. É difícil descrever sem emoção a sensação de que há uma criatura que reconhece sua fragilidade física e, sem juízo, coloca o corpo para ajudar. Ela entendia onde eu precisava de cuidado e oferecia, grátis com amor, alívio.

A Biba era doce com todo o quintal e com a casa inteira. Era “mãezona” das suas três filhas — Cherie, Nikita e Corina — e do filho Nick: velava, limpava, acomodava. Algumas tardes eu encontrava a “maçaroca de gatos” no sofá — todos enroscados, formando um amontoado de respiracões e calor — e Ayllin no centro como um coração que bombeava serenidade. Em Maringá, a vizinhança de afetos se ampliou: o Branco, Cotton Candy, irmão do Cookie, tinha um carinho especial por ela, e costumavam ficar próximos. Quando o Branco morreu, foi a vez de Nikita assumí-la como referência, deitar junto com ela nas sessões de cuidado que a casa oferecia.

Os anos foram moldando um ritmo de intimidade com gestos simples: eu a pegava no colo, e quando sentava para ver televisão, ela e Nikita acomodavam-se nas minhas pernas como um único peso que me lembrava da sorte de ter quem ama por perto. Havia uma cumplicidade silenciosa entre nós — eu que dava colo e atenção, ela que retribuía com calor e paciência. Esse ir e vir de dor e cura, entretido pela rotina, alimentava uma narrativa afetiva que parecia eterna até que a velhice chegou com a dureza que todos temem.

Quando ficou idosa, a Biba mudou de ritmo: dormia muito, foi perdendo o interesse pela comida sólida, e tivemos que alimentá-la com seringa, oferecer líquidos que queriam substituir aquilo que o corpo já não pedia. Aquele cuidado é um exercício solene de entrega: medir gotas, insistir, segurar a cabeça com carinho, não desistir. Cada pequena respiração parecia uma vitória frágil. Vi nela a fragilidade consolidar-se em rotina, e senti que o tempo trazia a inevitabilidade em cada gesto dispensado ao corpo que antes foi tão ativo.

No domingo, 22 de maio de 2016, em Maringá, ela tinha pouco mais de quatorze anos. Era noite — o relógio marcava pouco mais das 23h — e eu a segurava nos braços para que adormecesse. O velho e doce corpo, que tantas vezes havia aquecido minhas perninhas e me ensinara a paz do toque, exalou o último suspiro ali, em silêncio e em mim. Há imagens que o tempo não corrige: o último ar que sai de um corpo amado, a sensação de que algo se parte num intervalo mínimo e, de repente, o mundo perde um ritmo. Entrei em choque. Chorei, e chorei por dias. A dor foi tão funda que, por um tempo, amaldiçoei Deus por tê-la levado, por tê-la permitido sofrer até o fim.

A perda de Ayllin foi como se tivessem me arrancado o coração de dentro do peito. Dizem que o tempo amansa; às vezes dói dizer que o tempo só ensina a carregar a dor de outro modo. A ausência dela deixou uma sala onde o calor costumava estar; as pernas que antes eram leito de ronrons ficaram vazias; o ritual do “amassar pão” perdeu o sentido prático e ficou apenas como memória múscular gravada em mim: o toque macio que vinha onde meu músculo doía. A Biba não foi apenas uma gata que viveu conosco — foi um ponto de referência afetivo, uma bússola de ternura que apontava sempre para o mesmo lugar: a casa, o colo, o cuidado.

Há lembranças que vêm em episódios pequenos e insistentes. O som de uma patinha no tapete que não aparece mais, a visão de dois gatos que antes se entrelaçavam na minha perna, agora ausentes, o eco do respirar felpudo que preenchia as noites de vigília. Às vezes penso naquelas tardes em que a casa parecia menor porque tantos corpos tinham partilhado calor; penso nas noites em que a Biba estava comigo e eu podia sentir, no fundo do corpo, que a companhia dela era menos um conforto e mais uma verificação de que a vida ainda era inteira.

Perdi amigos e parentes, perdi outros animais também, mas a sensação que Ayllin deixou foi de uma violência íntima: doer daquele modo é ter uma ferida que não é visível, que se instala nas coisas cotidianas. O ódio, por um instante, foi dirigido ao céu; hoje penso que foi um gesto de quem tem direito à raiva diante da justiça aparente da perda. A dor passou, mas deixou uma cicatriz que insisti em cuidar. Algumas noites, ainda sinto a ilusão de que ela está ali, entre as pernas, amassando o pão — e então percebo que é só memória e que memória, por mais doce que seja, não devolve o corpo.

A história de Ayllin é, como tantas histórias de amor que temos com animais, uma lição sobre reciprocidade e sobre o modo como nos concedemos ao outro. Ela me ensinou que a presença pode sarar sem palavra, que o silêncio pode ser um gesto de cura, que o colo é uma atitude política de resistência ao abandono. E ensinou, sobretudo, a metáfora viva de que ao cuidar, aprendemos a ser humanos. Ela era a minha xodó, e eu era o guardião do seu descanso. Quando se foi, senti que me roubavam não apenas um afeto, mas uma parte da minha rotina de dar e receber calor.

Não há consolação plena para um luto assim; há dissipações de memória que são, simultaneamente, bálsamo e faca. Resta lembrar Ayllin com gratidão: por cada noite em que me permitiu ser seu abrigo; por cada manhã em que o ronronar baixinho dela era uma canção que me dizia “estou bem”; por cada vez que suas patinhas fizeram doer minha perna para que eu percebesse onde precisava de cuidado. Resta, também, o registro do amor que não foi consumido: a mãe e as filhas que se aninharam e se protegeram, o líder do bando que soube intuir o que precisava ser feito, a casa que foi lar por causa daquele entrelaçar de corpos.

Ayllin partiu e, com ela, uma parte da minha alma se moveu. Hoje, quando olho para uma cadeira vazia ou para o espaço na cama, tenho a lembrança do seu calor e a certeza de que o amor que demos não se perde — ele se transforma em memória que nos molda. Dói e dói sempre; mas aquele dor, também, é testemunha de que vivemos algo que valeu. Se há algo que desejo dizer à Biba agora, seria sobre a gratidão: obrigado por ter confiado em mim, por ter sido meu consolo, por ter sido, sem sobra de dúvida, o xodó que eu tive e que guardo. Até sempre, Biba — e que o seu amassar de pão encontre, no além, pernas doces onde descansar.

As Sombras da Solidão

  ( a crônica abaixo, infelizmente, são fatos comuns hoje em dia, alguns elementos a mais fazem parte desta história, mas boa parte deles fa...