quinta-feira, 6 de março de 2025

O Tempo e a Amizade

Era uma manhã nublada quando Lúcio, um homem de sessenta anos, decidiu sair para comprar pão. As ruas estavam vazias, e o vento frio soprava suavemente. Enquanto caminhava, algo chamou sua atenção: uma caixa de papelão, abandonada em um canto da calçada. Curioso, ele se aproximou e, ao ver a caixa, sentiu seu coração apertar.

Dentro dela, uma filhote de cachorro, uma mistura de akita e pastor, olhava para ele com olhos grandes e tristes. Seu pelo estava desgrenhado e sujo, e o pequeno corpo tremia de medo. Em um impulso, Lúcio pegou a cadela no colo, sentindo a fragilidade dela. Ele sabia que não podia deixá-la ali.

Envolveu-a em seu casaco. Com a orientação de um veterinário, Lúcio dedicou sua vida a cuidar dela. 

— Você vai se chamar Moira, pequena — sussurrou.

As primeiras noites foram difíceis; ela chorava, lembrando-se do abandono. Mas Lúcio, com paciência, a acalmava, balançando-a em seus braços na velha cadeira de balanço. Ele a alimentava, a banhava e a levava para passear. Em pouco tempo, Moira se tornou uma parte essencial de sua vida.

Os dias passaram, e a conexão entre eles cresceu. Moira se tornou uma cadela forte e saudável, mas sempre mantinha aquele olhar de gratidão. Lúcio, por sua vez, via em Moira uma razão para acordar todos os dias. Eles pareciam se entender de forma especial, como se conversassem em uma linguagem silenciosa, telepática. Moira ficava atenta a cada movimento de Lúcio, e ele sentia sua presença acolhedora, especialmente nos dias em que a saúde não estava em seu melhor estado.

A vida seguiu, e Moira se tornou a guardiã da casa. Sempre que Lúcio saía, ela tremia de ansiedade, lembrando-se do abandono. Mesmo assim, sua lealdade era inquebrantável. Latia para estranhos e se posicionava protetora diante de qualquer ameaça. Ela sabia que Lúcio era seu lar, e o defendia com fervor.

Um dia, enquanto caminhava para o mercado, Lúcio escorregou em uma calçada molhada e caiu. A dor foi intensa, e ele não conseguiu se levantar. Um transeunte chamou uma ambulância, e Lúcio foi levado ao hospital. Moira, em casa, sentiu que algo estava errado. Ela vagava pela casa, ansiosa, procurando por seu amigo. A ausência de Lúcio a deixou deprimida. Sua energia, que antes vibrava, agora era uma sombra triste.

Lúcio, no hospital, desesperado, sussurrava o nome de Moira constantemente, preocupado com ela. A amiga dele, Ana, ao ver que ele ficava muito exaltado, e as condições de saúde pioravam sempre que se preocupava com a cadela, decidiu levar Moira para seu sítio, na esperança de que o ambiente rural a ajudasse a se recuperar e tranquilizasse Lúcio. 

Mas a cadela não se adaptou. Ela se recusava a comer e passava os dias olhando em direção à estrada, esperando ver Lúcio correndo para ele. O vazio em seu coração era palpável, e Ana se preocupava com a saúde da amiga de quatro patas.

Passaram-se semanas. Lúcio, no hospital, lutava para se recuperar, pensando em Moira a cada instante. Ele sabia que ela precisava dele, assim como ele precisava dela. Quando finalmente recebeu alta, um misto de alegria e ansiedade tomou conta dele. Ele mal podia esperar para reencontrá-la.

No dia da sua volta, Lúcio foi até o sítio onde Moira estava. Mesmo com a fraqueza do corpo, seu coração pulsava com a esperança de vê-la novamente. Ao abrir o portão do sítio, um milagre aconteceu. Moira, que estava na casa, sentiu o cheiro familiar de Lúcio mesmo de longe. Suas orelhas se ergueram, e um instinto poderoso a fez levantar-se.

Ela correu pela casa, saltando sobre móveis e superando qualquer obstáculo em seu caminho. Ao alcançar o portão, Moira não hesitou; ela saiu correndo, em direção ao som da voz que ela tanto amava.

Lúcio, ao vê-la se aproximando, sentiu seu coração acelerar. Quando os dois se encontraram, o mundo ao redor desapareceu. Moira pulou em volta dele, abanando o rabo como se dissesse: “Você voltou! Eu sabia que voltaria!” Lúcio se agachou, segurando Moira em seus braços, chorando de felicidade.

As pessoas que acompanhavam a cena se emocionaram. Era um momento de pura alegria e amor incondicional. Lúcio e Moira, finalmente reunidos, eram a definição de felicidade. Ele a abraçava com força, e ela lambeu seu rosto, como se quisesse dizer que nunca a abandonaria novamente.

A relação deles, marcada por amor, dor e resiliência, agora era mais forte do que nunca. Lúcio sabia que, não importava o que acontecesse, Moira sempre estaria ao seu lado, e ele, por sua vez, seria o protetor que ela sempre mereceu. 

Naquela tarde ensolarada, enquanto o sol se punha no horizonte, Lúcio e Moira estavam juntos, e o amor que compartilhavam era uma luz que iluminava até os cantos mais escuros de suas almas. Eles tinham encontrado um no outro não apenas um lar, mas uma verdadeira família.

Os anos passaram como folhas levadas pelo vento, e Lúcio e Moira viveram juntos uma vida cheia de amor e cumplicidade. Cada dia que se passava era uma nova oportunidade para aprofundar a conexão que tinham construído. No entanto, o tempo, implacável, começou a deixar suas marcas.

Lúcio, agora com setenta e oito anos, sentia o peso dos anos em suas articulações. As caminhadas que antes eram longas e revigorantes agora se tornaram mais curtas e cuidadosas. Moira, que havia crescido e se tornado uma cadela majestosa, também estava envelhecendo. Seus pelos, antes brilhantes e espessos, agora tinham manchas brancas, e seus movimentos se tornaram mais lentos. Mas seus olhos ainda brilhavam com amor e sabedoria, sempre atentos ao seu querido humano.

Com o passar do tempo, o cuidado que Lúcio dedicava a Moira se inverteu em algumas ocasiões. Havia dias em que ele precisava de ajuda, e era ela quem ficava ao seu lado, como uma guardiã fiel. Moira, mesmo com sua idade avançada, se esforçava para acompanhar Lúcio, sempre atenta às suas necessidades. Ela o observava com um olhar que parecia entender cada suspiro, cada movimento lento.

Em uma manhã de outono, enquanto as folhas caíam suavemente, Lúcio sentiu uma dor aguda no peito. Ele hesitou, mas não queria preocupar Moira. "Só um pouco de cansaço", pensou. Entretanto, a cadela percebeu que algo estava errado. Com um olhar preocupado, ela não se afastou de Lúcio, seguindo-o de perto enquanto ele tentava realizar suas tarefas diárias.

Com o tempo, as idas ao veterinário tornaram-se mais frequentes para ambos. Moira, que sempre fora cheia de vida, agora apresentava dificuldades nas articulações. Lúcio, por sua vez, começou a enfrentar problemas de saúde mais sérios. 

Certa noite, após uma visita ao médico, ele sentiu-se particularmente abatido. Ao se sentar na cadeira de balanço, Moira se aproximou, colocando a cabeça em seu colo, como se dissesse: “Estou aqui para você.”

Esses momentos, embora difíceis, reforçavam o laço indestrutível que compartilhavam. Lúcio acariciava o pelo macio de Moira, lembrando-se dos dias em que ela era apenas um filhote. O amor que eles tinham um pelo outro era uma força que os mantinha vivos, mesmo nos dias mais sombrios.

Com o passar dos meses, Moira começou a apresentar sinais de fraqueza. Ela já não corria como antes e passava mais tempo deitada ao lado de Lúcio. Ele sentia a tristeza se instalar em seu coração, mas tentava ser forte. A cada dia, ele sabia que o tempo estava se esgotando.

Em uma tarde ensolarada, Lúcio decidiu levar Moira para um passeio no parque, um dos lugares que sempre amaram juntos. Ele a conduziu gentilmente, e ela caminhou devagar, cheirando as flores e observando os pássaros. Era um momento de pura alegria, mesmo que a fragilidade de ambos fosse palpável.

Numa manhã, Lúcio acordou e sentiu que algo estava diferente. Moira estava deitada em seu canto, parecendo mais cansada do que o habitual. Ele se aproximou e acariciou seu pelo, sentindo o calor da sua amiga, mas também a fraqueza que a acometia. Moira levantou a cabeça e olhou para ele com aqueles olhos que sempre transmitiram tanto amor. Era como se ela quisesse garantir que Lúcio soubesse o quanto ele era importante para ela.

Naquela noite, enquanto Lúcio se acomodava em sua cadeira de balanço, Moira se aninhou em seus pés. Ele a puxou para mais perto, envolvendo-a com um cobertor. Eles permaneceram assim, em silêncio, sentindo o calor um do outro, como sempre fizeram.

Na manhã seguinte, o sol se levantou, mas a casa estava silenciosa. Lúcio despertou e percebeu que Moira não estava mais ao seu lado. Seu coração se apertou. Ele a encontrou deitada no seu lugar favorito, tranquila, como se tivesse adormecido em paz. As lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto ele a segurava em seus braços, lembrando-se de cada momento que compartilharam.

Lúcio sabia que a vida continuava, mesmo sem Moira. Ele a enterrou no pequeno quintal, sob a sombra de uma árvore que plantaram juntos anos atrás. Com cada pá de terra que lançava sobre sua amada cadela, ele se lembrava do amor incondicional que ela lhe deu.

Os dias seguintes foram difíceis, mas Lúcio encontrou consolo nas memórias. Ele continuou a caminhar pelo parque, agora sozinho, mas sempre sentindo a presença de Moira ao seu lado. A conexão que tinham transcendia a vida e a morte; era um amor que permaneceria com ele para sempre.

E assim, enquanto o sol se punha no horizonte, Lúcio sorriu, sabendo que, mesmo após a perda, o amor que compartilhara com Moira ainda iluminava seu caminho. Ele entendia que a verdadeira amizade nunca acaba; ela se transforma, continua a viver nas memórias e nas ações de quem fica.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Ajudante Robô na Horta

Certa manhã, Dona Elda decidiu que era hora de modernizar a horta. Após ver um comercial sobre um robô ajudante, ela teve uma ideia. — Lelé,...