Na pequena cidade de Moema, o carnaval se aproximava, trazendo consigo um ar de alegria e festividade. As ruas estavam decoradas com luzes coloridas. No entanto, para Marcelo, um idoso de setenta e um anos, a época era um lembrete doloroso da solidão que o cercava.
Marcelo vivia sozinho em uma casa antiga, repleta de memórias de uma vida que um dia fora cheia de amor e risos. Seu irmão, Carlos, sempre foi seu companheiro mais próximo, mas, após a morte da esposa de Carlos, ele não conseguia mais visitar o irmão como antes. As cartas que trocavam tornaram-se raras, e a distância física se transformou em um abismo emocional.
A única companhia de Marcelo era sua cachorrinha, Aurora, uma golden retriever de olhos ternos e pelagem dourada que refletia a luz do sol. Aurora sempre estivera ao lado de Marcelo, oferecendo amor incondicional e conforto em seus momentos de tristeza. Ela parecia entender os sentimentos de seu dono, como se soubesse que ele lutava contra a solidão.
No sábado de carnaval, Marcelo decidiu que precisava se expressar. Sentou-se à mesa, com uma folha de papel em branco diante dele, e começou a escrever uma carta para Carlos.
“Querido Carlos,” começou ele, “mais um Carnaval chegou e, novamente, sinto a sua falta. Lembro-me de todos os carnavais que passamos juntos, das risadas, das histórias, e da alegria de estarmos juntos. Sinto que o tempo nos afastou, e a solidão me aperta o coração...”
Enquanto escrevia, lágrimas começaram a escorregar por seu rosto, caindo sobre o papel. Aurora, que estava deitada a seus pés, levantou a cabeça e olhou para ele com preocupação. Marcelo parou de escrever e a acariciou, sentindo o calor reconfortante do corpo da cadela.
— Sabe, Aurora, eu me sinto tão sozinho. — confessou com a voz embargada. — Às vezes, sinto que ninguém se importa mais comigo.
Aurora se aproximou, esfregando o focinho em sua mão, tentando consolar seu amigo. O olhar de Marcelo encontrou os olhos sinceros dela, e ele sorriu através das lágrimas.
— Você é a única que ainda me entende. — disse ele. — Você é minha melhor amiga.
Naquela noite, Marcelo terminou a carta e decidiu não enviá-la. Em vez disso, guardou-a em uma caixa de sapatos que continha outras cartas e recordações. Ele se sentou no sofá, com a cadela ao seu lado, e assistiram à televisão, enquanto a cidade ao redor festejava. O som dos risos e das músicas penetrava as paredes da casa, mas dentro dela, apenas o silêncio e a tristeza reinavam.
O Carnaval chegou, e Marcelo acordou com uma sensação de vazio. Ele preparou um café simples e sentou-se à mesa, onde havia um único prato. Olhou para Aurora, que estava ao seu lado, e disse:
— Vamos ter um Natal só nós dois, não é, querida?
Ela colocou a cabeça em seu colo e olhou para ele com amor. A presença dela era um alívio, mas a ausência de seu irmão e de sua família fazia seu coração doer. Enquanto os vizinhos se divertiam com suas famílias, Marcelo sentia o peso da solidão.
Na tarde daquele dia, ele decidiu escrever mais uma carta, desta vez para Aurora. Com um sorriso triste nos lábios, começou:
“Querida Aurora, você é minha única companheira. Mesmo quando o mundo parece tão escuro e solitário, você sempre está aqui, ao meu lado. Seu amor me dá força, e eu agradeço a Deus por você. Nunca se esqueça de que, mesmo em meio à tristeza, eu te amo mais do que palavras podem expressar.”
Ela se aproximou e lambeu seu rosto, como se estivesse respondendo. Marcelo riu, mas logo as lágrimas voltaram a brotar. Ele abraçou a cachorrinha, sentindo seu calor e o conforto que ela proporcionava.
— Às vezes, eu só queria entender por que as pessoas se afastam. — murmurou. — Não é justo, Aurora... Não é justo.
A tarde se arrastava, e o ambiente festivo do lado de fora parecia um contraste doloroso com a solidão que preenchia a casa de Marcelo. Ele e sua cadela permaneceram no sofá, assistindo à televisão, enquanto todo mundo continuava a se divertir, sem perceber a tristeza que se escondia atrás das portas fechadas.
Finalmente, Marcelo fechou os olhos e deixou as lágrimas caírem sobre o pelo macio de sua amiga. Ela, percebendo a dor de seu amado dono, se aconchegou mais perto, como se pudesse aquecer seu coração ferido.
A noite caiu, e o brilho das luzes do carnaval ainda iluminava a cidade, mas para Marcelo, era como se tudo estivesse apagado. Ele se sentia abandonado por todos, exceto por aquela pequena cadela que nunca o deixara.
No fundo, Marcelo sabia que muitas pessoas experimentavam a mesma solidão. Muitos idosos, muitos corações, deixados de lado, esquecidos. Mas, através do amor de Aurora, ele encontrava um fio de esperança. A conexão que tinham era real e verdadeira, uma luz em meio à escuridão.
Assim, embora a tristeza envolvesse seus corações, Marcelo e Aurora estavam juntos. Eles eram dois amantes da vida, ainda crentes em um futuro melhor, onde o amor poderia aquecer até os dias mais frios. E, enquanto a cidade celebrava, dentro daquela casa, um homem e sua cachorrinha encontravam consolo um no outro, provando que, mesmo na dor do abandono, o amor verdadeiro nunca morre.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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