Texto construído tendo por base a trova de Luiz Poeta (Luiz Gilberto de Barros) (Rio de Janeiro/RJ)
Na saudade intransigente,
o coração se revolta;
a estrada diz: – Segue em frente;
o coração pede: - Volta!
Antero estava fugindo. Não de algo visível, mas de um vazio que havia tomado conta dele. Havia decidido, quase por impulso, deixar tudo para trás: o emprego, os amigos, a cidade. "É melhor recomeçar em outro lugar", dissera a si mesmo enquanto arrumava a bagagem. Mas agora, sozinho no meio do nada, a dúvida o corroía. Será que estava fazendo a coisa certa? Será que era possível deixar para trás o que o coração insistia em guardar?
Lá estava ela, a saudade. Intransigente, como sempre, invadindo cada pensamento. Fechava os olhos e via Márcia. O sorriso dela, o jeito como prendia o cabelo, as risadas que ecoavam pela casa. Tudo parecia tão perto, mas era inalcançável.
Márcia tinha partido. Não por desamor ou desavença, mas porque a vida, com sua maneira cruel de agir, havia decidido que era hora de levá-la para sempre. Um acidente, um instante, e tudo o que Antero conhecia como felicidade havia se despedaçado.
Desde então, a saudade era sua companheira constante. E a saudade, ele descobrira, não era apenas um sentimento… era uma presença. Ela tinha cheiro, som e até peso. Era teimosa, não aceitava explicações, ignorava o tempo e se recusava a partir. Ele sentia que, a cada quilômetro que dirigia, a saudade ficava mais forte, como se o coração dele estivesse preso a um elástico invisível, puxando-o de volta.
Ele desceu do carro e se sentou na beira da estrada. O vento quente tocava seu rosto, mas não trazia consolo. Olhou para o horizonte mais uma vez, como se a estrada pudesse responder àquela luta interna que o consumia. A razão lhe dizia: "Segue em frente. É o único caminho." Mas o coração, rebelde e insistente, sussurrava: "Volta. Volta para onde tudo começou, para onde está o que te resta dela."
Antero pegou do bolso uma foto amassada de Márcia. Era do dia em que haviam feito uma viagem juntos, a primeira de muitas. Na imagem, ela sorria, com o cabelo bagunçado pelo vento e os olhos brilhando. Ele lembrou-se de como ela adorava dizer que as estradas eram metáforas da vida: "Elas sempre levam a algum lugar, Antero. Mesmo que a gente não saiba para onde."
"Mas e quando a estrada não faz sentido?" ele perguntou em voz alta, como se ela pudesse ouvi-lo. O eco de sua voz foi a única resposta.
O tempo passou devagar enquanto ele permanecia ali, imóvel, entre o passado que o puxava e o futuro que o empurrava. Até que, num momento de quietude, algo mudou. Ele percebeu que a saudade não era a inimiga. Ela era, na verdade, uma prova de que Márcia ainda vivia dentro dele, nas memórias, nos gestos, nos sonhos que haviam compartilhado. A saudade não era para ser combatida, mas entendida.
De repente, a estrada à sua frente parecia menos ameaçadora. Talvez ela estivesse certa; as estradas sempre levam a algum lugar. Talvez o futuro não fosse um abandono do passado, mas uma continuação dele. Ele levantou-se, respirou fundo e olhou uma última vez para a foto. Guardou-a no bolso, entrou no carro e ligou o motor.
Dessa vez, não era nem o coração nem a razão que o guiavam. Era Márcia, em cada lembrança, em cada saudade. Ele sabia que nunca a deixaria para trás, porque ela era parte dele — parte do caminho, parte da estrada.
E assim, com um misto de dor e esperança, ele seguiu em frente.
Fontes:
José Feldman. Caleidoscópio da Vida. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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