segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

A outra face do Natal

Numa grande cidade, o Natal se aproximava, e as vitrinas das lojas brilhavam com cores e luzes, como se quisessem ofuscar a realidade dura que se escondia nas sombras. Entre essas sombras, um menino chamado Leandro caminhava pelas ruas, seu pequeno corpo envolto em roupas desgastadas e seu olhar carregado de sonhos.

Ele vivia nas ruas há anos. De manhã, ele coletava garrafas vazias para ganhar algum dinheiro e, à noite, se encolhia em um canto qualquer, tentando encontrar um pouco de calor. Quando avistava as vitrines decoradas, seu coração se apertava. Ele imaginava um Natal repleto de presentes, de risadas e de uma família que o amasse. Mas, para ele, o Natal era apenas um dia como os outros, repleto de solidão e esperança não correspondida.

Naquela noite fria, enquanto caminhava, ele ouviu um som fraco vindo de um beco. Curioso, se aproximou e encontrou um cachorro abandonado, tremendo de frio e com os olhos tristes. Leandro não hesitou, se agachou e estendeu a mão.

— Olá, amigão. Você está sozinho também? — perguntou, acariciando o cão que, após um momento de hesitação, se aproximou e começou a lamber sua mão. Leandro sorriu, sentindo uma conexão imediata. O cachorro, que ele decidiu chamar de Faísca, parecia entender sua dor.

Os dias seguintes foram repletos de calor inesperado. Leandro e Faísca se tornaram inseparáveis. Juntos, enfrentavam a solidão das ruas e encontravam conforto um no outro. Leandro dividia o pouco que tinha com seu novo amigo, e Faísca, em troca, oferecia carinho e lealdade. Eles se aqueciam com o calor de seus corpos, e, pela primeira vez, Leandro sentia que não estava tão sozinho neste mundo.

Na véspera de Natal, a cidade estava envolta em um manto de neve, e as luzes brilhavam mais intensamente. Leandro encontrou um pequeno presente em uma caixa de papelão: um velho cachecol que alguém jogara fora. Ele imediatamente o colocou em Faísca, e o cachorro parecia feliz, sacudindo o rabo em agradecimento. Leandro sorriu, imaginando que, talvez, aquele Natal pudesse ser diferente.

No entanto, o destino tinha outros planos. Naquela mesma noite, enquanto caminhavam pelo centro da cidade, um motorista bêbado perdeu o controle de seu carro e avançou pela calçada. Leandro não teve tempo de reagir. O impacto foi rápido e brutal. Faísca foi atingido e caiu ao lado do menino, gemendo de dor.

Leandro correu até seu amigo, abraçando-o com desespero. Ele sentiu a vida de Faísca se esvair, enquanto o cachorro olhava para ele com os olhos cheios de amor e dor. As pessoas que passavam viraram o olhar, algumas até riram, sem se importar com o garoto e seu amigo. O mundo continuou, indiferente ao sofrimento que se desenrolava.

— Não, Faísca, por favor! — Leandro implorava, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. — Não me deixe, eu preciso de você! 

Mas, enquanto o frio da noite invadia seu coração, Faísca fechou os olhos pela última vez. Leandro sentiu uma dor imensa, como se a própria vida tivesse sido arrancada de seu peito. Ele chorou, e o pranto ecoou na solidão da cidade, mas ninguém ouviu. A magia do Natal, que um dia ele sonhou, se desfez em uma onda de desespero.

Na manhã de Natal, uma forte nevasca cobriu a cidade, e o frio se intensificou. As pessoas saíram de casa para celebrar, mas, ao passar pelo beco onde Leandro e Faísca estavam, encontraram os dois juntos, abraçados. O menino estava imóvel, congelado, seu corpo ainda aquecido pelo amor que nutrira por seu amigo de quatro patas.

A imagem do garoto abraçado ao cachorro emocionou algumas pessoas, mas muitos ainda passaram de forma indiferente, sem entender a profundidade da dor e da solidão que aqueles dois haviam enfrentado. Os olhos de Leandro, que um dia brilhavam com esperança, agora estavam fechados, mas seu coração, ao lado de Faísca, havia encontrado a paz que tanto buscara.

Naquele Natal, a cidade estava cheia de luzes e risos, mas, em um canto esquecido, a verdadeira essência do amor e da amizade se despedia. Leandro e Faísca, juntos na eternidade, provaram que, mesmo em meio à solidão e ao desprezo, o amor sincero é capaz de transcender até mesmo a morte. E, enquanto as luzes brilhavam, um novo tipo de silêncio se instalou, um lembrete de que a verdadeira magia do Natal reside na compaixão e na conexão que formamos com aqueles que amamos.

Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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domingo, 29 de dezembro de 2024

Arauto do amanhecer

  Texto dedicado ao amigo A. A. de Assis 


 Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
- Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
A. A. de Assis (Maringá/PR)


Ah, poeta, como é lindo o teu trabalho, um ofício que floresce nas entrelinhas da vida. A cada verso, a cada rima, você dá vida a mundos invisíveis, onde a imaginação dança livre. É um dom fecundo, como um jardim repleto de flores que desabrocham em cada estação, trazendo cores e aromas que encantam a alma.

Noite e dia, você se entrega à criação, mergulhando nas profundezas do ser e das emoções. Em cada momento de solitude, transforma silêncios em palavras, como se o universo sussurrasse segredos que apenas você pode captar. Sua caneta é a extensão do coração, capturando a essência do que é humano, do que é belo e doloroso.

Produzindo incessantemente, você tece sonhos novos para o mundo. Cada poema é uma semente lançada ao solo fértil da esperança, um convite a sonhar, a refletir, a sentir. As páginas se enchem de histórias que ressoam em todos nós, despertando memórias adormecidas e anseios por um futuro melhor.

Assim, você se torna o arauto de um novo amanhecer, a voz que ecoa na eternidade, lembrando-nos de que a arte é um farol na escuridão. Ah, poeta, teu trabalho é uma ode à vida, um presente que nos inspira a olhar além, a buscar a beleza nas pequenas coisas e a acreditar que, mesmo em tempos difíceis, os sonhos ainda têm o poder de transformar o mundo.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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sábado, 28 de dezembro de 2024

A comédia da academia de ginástica

Entrar em uma academia é como adentrar um teatro onde cada frequentador desempenha um papel distinto. Às vezes, você se pergunta se está ali para malhar ou se a verdadeira intenção é assistir a uma comédia.

Logo na entrada, você é recebido pelo “Entusiasta do Fitness”. Com seu sorriso radiante e uma camiseta colada ao corpo, ele parece ter sido esculpido por um artista renascentista. Ele está sempre pronto para dar dicas sobre como fazer o agachamento perfeito ou a melhor maneira de combinar suplementos. 

Ao lado dele, a “Influencer de Instagram” captura cada movimento, postando selfies com legendas motivacionais. Enquanto você tenta se concentrar, ela sorri para a câmera, como se o espelho fosse seu maior aliado. O que mais impressiona é a quantidade de pessoas que, em vez de focarem no treino, ficam a observar essa cena como se estivessem em uma apresentação de circo.

E não podemos esquecer do “Frequentador de Cadeira”. Esse é aquele que, ao invés de levantar pesos, se acomoda em um canto, sempre com um celular na mão. Ele está ali, claro, mas a única coisa que realmente se movimenta é o polegar. A cada quinze minutos, ele dá uma olhada no espelho, como se estivesse esperando que alguém comentasse sobre sua presença ilustre. “Apenas esperando o momento certo para treinar”, ele justifica, enquanto se perde em mais uma rolagem de feed.

Ah, e as desculpas! Elas são quase uma arte própria. O “Desculpador Profissional” é um personagem comum. Ele pode ser facilmente reconhecido por seu olhar pensativo e a habilidade de criar uma justificativa para cada situação: “Hoje não dá para malhar, porque o trânsito estava terrível”, ou “Eu realmente queria, mas meu gato estava se sentindo solitário”. Essas desculpas são como um show de mágica: desaparecem antes que você possa questionar.

Enquanto isso, há a “Mestre da Procrastinação”. Ela entra na academia, faz uma série de alongamentos que poderiam ser confundidos com poses de ioga e, em seguida, se dirige ao bebedouro. O que parece ser uma pausa estratégica se transforma em um mergulho profundo nas redes sociais. Cada notificação é uma nova oportunidade para “se recuperar” de um treino intenso que, assim como a miragem no deserto, nunca acontece.

E quando chega o momento do personal trainer, a cena se transforma em um verdadeiro clamor. O “Poderoso Personal” é a estrela do espetáculo. Ele entra, musculoso e cheio de energia, e a sala logo se enche de olhares admirados. Aqui, as pessoas não têm vergonha de confessar que, por mais que o treino em grupo seja ótimo, elas precisam de um motivador pessoal para não desistir ao primeiro sinal de dor. O “Poderoso Personal” é um maestro, e cada cliente é sua orquestra. “Vamos lá, você consegue! Uma última série, só mais cinco repetições!”, ele grita, enquanto os frequentadores se contorcem na dor.

E como não mencionar os “Guerreiros dos Pesos”? Esses são aqueles que parecem estar em uma competição invisível. Eles fazem questão de levantar mais pesos do que qualquer um ao redor mas, ao mesmo tempo, possuem uma habilidade especial para evitar qualquer tipo de contato visual. Ao ver um deles, você nota que a única coisa que realmente pesa é o ego. Eles se esforçam tanto que você se pergunta como ainda conseguem se equilibrar em pé, mas pasme, eles sempre conseguem!

A academia se transforma em um espaço de interação social. As conversas sobre dietas, os segredos da proteína perfeita e as anedotas do dia a dia se entrelaçam em meio aos exercícios. Afinal, malhar pode ser a desculpa, mas a verdadeira razão pela qual todos estão ali é a camaradagem e, claro, as boas histórias para contar.

Assim, enquanto você se esforça para levantar aquele peso que, à primeira vista, parece mais um carro, não pode deixar de perceber que, na verdade, a academia é um grande palco. Cada frequentador traz sua própria comédia e, no final das contas, todos estão apenas tentando encontrar um pouco de leveza em meio ao suor e aos músculos doloridos. E mesmo que o “Poderoso Personal” não consiga fazer todo mundo amar a malhação, ele certamente garante boas risadas ao longo do caminho!

Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Amor e tragédia nas sombras da intolerância

José era um homem comum, um judeu não praticante que trabalhava incansavelmente em um hospital na cidade, jovem ainda, tinha cerca de 21 anos de idade. O dia a dia se desenrolava entre tubos de ensaio, mas havia algo de especial em seu coração que ainda não tinha despertado. Isso mudou quando conheceu Najla, uma colega de trabalho, uma jovem de beleza estonteante e olhos que refletiam a dor de uma vida conturbada. Ela era jovem também, 19 anos de idade, filha de imigrantes libaneses que traziam consigo a cultura e a religião com muita devoção.

A atração entre eles foi imediata, mas havia um empecilho: Najla estava em um relacionamento com um rapaz que parecia prometer o mundo a ela. No entanto, essa promessa se desfez como um castelo de areia quando ele a engravidou e desapareceu, deixando-a sozinha e vulnerável. A família de Najla, profundamente religiosa, a declarou impura e a expulsou de casa, condenando-a ao ostracismo por um erro que não era apenas dela.

Desesperada e sem ter aonde ir, Najla encontrou abrigo em José. Ele, que sempre teve um coração generoso, não hesitou em alugar um pequeno apartamento para que ela pudesse ter um lugar seguro para esperar o nascimento de seu filho. Durante o dia, ele convivia com sua família, que nada suspeitava de seu amor secreto. À noite, ele se tornava o porto seguro de Najla, compartilhando momentos de ternura e esperança em meio a um mundo que parecia estar contra eles.

O amor que floresceu entre os dois era um oásis em um deserto de intolerância. José adotou a ideia de que a filha que estava por vir, seria um símbolo de sua união, um laço que desafiava as barreiras que a sociedade impunha. O nascimento de Yasmin, em 9 de dezembro de 1975, trouxe uma luz nova à vida de ambos. José não a via apenas como a filha de Najla; ele a amava como se fosse sua, um amor profundo e incondicional.

Mas essa felicidade era efêmera. Em 14 de maio de 1976, tudo mudou. Naquele dia fatídico, José, Najla e Yasmin estavam deixando o prédio para um passeio no parque planejando o futuro juntos, em um momento simples virou tragédia. Ao saírem do apartamento, dois ladrões armados os abordaram. O pânico se instalou quando um dos bandidos tentou arrancar a pulseira do pulso de Yasmin. Com um empurrão, a inocente criança caiu, batendo a cabeça e rolando escada abaixo, enquanto seu choro ecoava em meio ao caos.

José, em um ato desesperado, correu para agarrar Yasmin, mas quando finalmente a alcançou, o silêncio que se seguiu era ensurdecedor. Ela já estava sem vida. O grito de Najla, misturado ao desespero de José, atraiu vizinhos que correram para ajudar, mas nada poderia salvar a pequena. Os ladrões fugiram diante do ocorrido. A cena era um pesadelo, um momento que se tornaria uma ferida aberta em suas almas.

A vida continuou, mas José e Najla foram consumidos pela dor. O luto se transformou em um peso insuportável; um mês depois, Najla fez a escolha trágica de tirar a própria vida. Ele se viu sozinho, mergulhado em uma depressão que parecia não ter fim. Sua família, alheia ao que realmente havia acontecido, levou-o a um psiquiatra. No entanto, a ajuda parecia inútil diante de sua dor insuportável. Em um momento de desespero, ele tentou se suicidar, mas o destino tinha outros planos e ele sobreviveu, sentindo-se ainda mais desamparado.

A culpa corroía sua alma. Ele culpou Deus, questionando a razão pela qual um amor tão puro e sincero entre um judeu e uma árabe não poderia existir em paz. As noites se tornaram um tormento; os sonhos eram assombrados pela imagem de Yasmin rolando escada abaixo, pelos gritos de Najla, pela dor que não se dissipava.

A tragédia de José e Najla se desenrolava como uma peça shakespeariana, repleta de amor, perda e a eterna busca por aceitação em um mundo que muitas vezes se recusa a entender. O amor que havia florescido entre eles, mesmo em meio a tanta adversidade, foi sucumbindo sob o peso da intolerância e da tragédia. A história deles, marcada por momentos de beleza e dor, nos lembra que, apesar das barreiras que tentamos erguer, o amor verdadeiro é uma força imbatível, ainda que, por vezes, tragicamente efêmera.

Décadas se passaram desde aquela tragédia que transformou José, mas a dor que ele carrega é tão viva quanto no primeiro dia. Tentou reconstruir sua vida, mas a imagem de Yasmin rolando escada abaixo e a visão de Najla, caída no meio da rua, não o abandonaram. Essas memórias o assombram, como sombras persistentes que se recusam a se dissipar.

Hoje, sozinho em sua casa, nos momentos de quietude, especialmente à noite, quando a escuridão cobre o mundo, os pesadelos vêm. Ele se vê novamente naquele dia fatídico, o grito de Najla ecoando em seus ouvidos, a impotência de não poder salvar a filha que nunca teve a chance de conhecer. José repete para si mesmo que deveria ter feito mais, que deveria ter encontrado uma maneira de protegê-las. A culpa é um peso que ele carrega, uma carga invisível que o atormenta.

A ideia de ter filhos nunca foi uma possibilidade. O medo de reviver aquela perda, de ver outra criança diante de um perigo semelhante, paralisou seu desejo de paternidade. Ele observa as crianças brincando no parque, sentindo uma mistura de amor e dor. Os risos que ecoam ao seu redor apenas intensificam o vazio em seu coração. As lembranças de Yasmin, que poderia ter corrido por aquelas mesmas calçadas, o perseguem como um fantasma.

As noites se arrastam, e os pesadelos se tornam mais frequentes. Ele acorda em suor, o coração acelerado, tentando se lembrar que o que passou não pode ser mudado. Mas a mente é traiçoeira, e os sonhos levam-no de volta àquela escada, àquele momento de desespero. Ele se pergunta se algum dia encontrará a paz que tanto almeja, se as cicatrizes da mente podem realmente cicatrizar.

Os anos se acumularam, mas a dor não diminuiu. Ele busca consolo em pequenos rituais, em memória de Najla e Yasmin, falando com elas em sussurros, como se ainda pudesse alcançar suas almas. Ele vive com a esperança de que, ao menos, elas saibam que ele as amou profundamente, que sua vida foi marcada por um amor que desafiava todas as barreiras, mas que também trouxe uma dor insuportável.

A sombra do passado é uma companheira constante, e José convive com ela. Ele sabe que, mesmo após tanto tempo, o amor e a perda estão entrelaçados em sua história, e que a memória de Yasmin e Najla permanecerá viva dentro dele, como um lembrete de que a vida é preciosa, mas também frágil.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Um encontro inusitado

Era uma tarde tranquila na biblioteca de um universo que desafia a nossa compreensão. Estantes infinitas se estendiam até onde os olhos podiam ver, cobertas de livros de todas as épocas e estilos. Em um canto iluminado por um brilho suave, três figuras notáveis saíram de uns livros e tiveram um encontro inusitado além da imaginação: William Shakespeare, Edgar Allan Poe e Monteiro Lobato.

Shakespeare, com seu ar aristocrático e uma pena na mão, foi o primeiro a se pronunciar.

— Ah, senhores! Que prazer imenso é vê-los! Eu sou William Shakespeare, dramaturgo e poeta. E vocês devem ser os ilustres Edgar Allan Poe e Monteiro Lobato. Um encontro de mentes brilhantes, sem dúvida!

Poe, com seu olhar sombrio e uma aura de mistério, respondeu:

— Sim, sou eu, Edgar Allan Poe. O gênio do terror e do macabro. E você, Sr. Shakespeare, deve saber que seus sonetos são maravilhosos, mas, francamente, você precisa de um pouco mais de escuridão em suas obras.

Lobato, sempre com um sorriso no rosto e uma caneta na mão, interveio:

— E eu sou Monteiro Lobato, o escritor para crianças e do folclore do Brasil! Prazer em conhecê-los, senhores. Agora, o que vocês precisam é um pouco de imaginação infantil! Shakespeare, seus dramas são tão sérios que eu me pergunto se você já ouviu uma boa piada!

— Vamos lá, então! — disse Shakespeare, ajeitando seu colarinho. — Eu, que escrevi sobre o amor, a ambição e a tragédia, defendo que a complexidade da condição humana é meu forte. O que você tem a dizer sobre isso, Poe?

— Complexidade? — Poe levantou uma sobrancelha. — O que você entende de complexidade, meu caro? Você escreve sobre amores perdidos, enquanto eu exploro as profundezas da loucura e da morte. Em "O Corvo", por exemplo, abordei a obsessão de um homem que perde sua amada. Não é isso que chama a atenção?

Lobato se inclinou para frente, rindo.

— Loucura, sim, mas e o humor? Vocês dois parecem estar sempre tão sérios! Eu, em "O Sítio do Picapau Amarelo", trago a fantasia e a brincadeira! Afinal, quem não gostaria de conversar com um saci ou uma boneca de pano que ganha vida? Isso é o que eu chamo de literatura!

Shakespeare, com um sorriso travesso, respondeu:

— Então você acha que um saci é mais interessante que um Hamlet? Um príncipe que discute sobre a vida e a morte? Venha, Monteiro, não me diga que prefere a companhia de um personagem que não sabe nem se deve existir!

Poe não deixou barato:

— E o que dizer de sua "Comédia dos Erros"? Uma confusão de identidades que só pode ser resolvida com um final feliz? Isso é muito otimista para o meu gosto. Onde está a tragédia, a verdadeira essência da vida?

Lobato, rindo ainda mais, respondeu:

— Olha, eu não diria que confundir personagens é um erro. É mais uma estratégia de marketing! E, Shakespeare, você fala de tragédia, mas seus personagens têm um talento incrível para fazer escolhas ruins. Que tal um pouco de sabedoria popular? "Quem não arrisca, não petisca!" E olha que eu sou um especialista em ensinar isso às crianças!

A conversa continuou, repleta de risadas e provocações. A biblioteca, testemunha desse encontro inusitado, parecia vibrar com a energia das palavras trocadas. Após horas de debate, todos concordaram que, apesar das diferenças, o que realmente importava era o amor pela literatura.

Poe, finalmente relaxando, disse:

— Sejamos francos, senhores. Cada um de nós tem sua própria abordagem para a complexidade do ser humano. Shakespeare com seu romantismo, Lobato com sua fantasia e eu com meu terror.

Shakespeare assentiu, um brilho de compreensão em seus olhos:

— Exatamente, meu amigo. E o que seria do mundo sem essas diferentes vozes? A diversidade é a alma da literatura.

Enquanto Shakespeare, Poe e Lobato discutiam animadamente, uma nova presença se fez notar na biblioteca. A luz suave que iluminava o espaço pareceu se intensificar, e um homem de porte elegante, com um olhar penetrante e um leve sorriso nos lábios, se aproximou. Era Machado de Assis.

— Boa tarde, senhores! Posso me juntar a essa conversa tão vibrante? Sou Machado de Assis, e ouvi falar sobre suas obras. Estou curioso para saber o que pensam sobre "O Alienista".

Shakespeare, sempre cortês, respondeu:

— Senhor Machado, é uma honra tê-lo entre nós. "O Alienista" é uma obra fascinante. A forma como você aborda a loucura e a razão é singular. Mas diga, o que o levou a explorar a mente humana dessa maneira?

Machado, com um brilho nos olhos, explicou:

— A loucura é um tema que me intriga profundamente. Em "O Alienista", eu queria discutir não apenas a sanidade, mas também o que é considerado normal em nossa sociedade. O Dr. Simão Bacamarte, que se dedica a entender a mente, acaba por se perder em sua própria obsessão. É uma crítica à ciência e à razão.

Poe, com um sorriso enigmático, interveio:

— Fascinante, de fato! Mas você não acha que, em sua busca pela razão, Bacamarte se torna uma figura trágica? Ele se assemelha aos meus personagens que, perdidos em suas obsessões, acabam se destruindo. A diferença é que você traz uma ironia bem-humorada à sua narrativa, enquanto eu prefiro o tom sombrio.

Machado assentiu, apreciando a observação.

— Sim, Edgar. A ironia é um dos meus instrumentos. Eu quis mostrar como a busca pela lógica pode ser tão irracional quanto a própria loucura. 

Shakespeare, com seu estilo característico, comentou:

— Muito bem colocado, Machado! Mas me pergunto se a crítica social em "O Alienista" não perde um pouco da profundidade emocional que permeia minhas tragédias. Bacamarte, embora intrigante, parece distante. Não seria mais poderoso se ele tivesse um dilema mais humano, como o meu Hamlet, que luta com questões de vida e morte?

Machado sorriu, reconhecendo a validade da crítica.

— Você tem razão, William. A emoção é fundamental na literatura. Contudo, minha intenção foi refletir a sociedade de uma maneira mais cerebral, quase como uma fábula. O que importa é que, ao final, Bacamarte é um espelho de todos nós.

Lobato, sempre entusiasmado, não deixou de defender seu ponto de vista:

— E eu gostaria de adicionar que, enquanto você aborda a loucura, eu trago a fantasia como uma forma de libertação! Os personagens do seu livro, cercados pela racionalidade, poderiam se beneficiar de um pouco de magia! Imagine Bacamarte conversando com o Saci ou criando novas teorias com a ajuda de Emília!

Machado riu, imaginando a cena.

— Seria uma combinação curiosa, sem dúvida! A magia poderia oferecer a Bacamarte o que falta em sua vida: um pouco de leveza. 

Após a troca de ideias, Machado de Assis, com seu olhar perspicaz, fez uma reflexão sobre as obras de seus colegas.

— Senhores, é interessante notar que, apesar de nossas abordagens distintas, todos nós tratamos da condição humana. William, você mergulha nas profundezas da emoção, explorando o amor e a tragédia. Edgar, você desafia os limites da sanidade e do terror, revelando a fragilidade do ser humano diante do desconhecido. E Lobato, você nos lembra da importância da imaginação e da infância, onde tudo é possível.

Ele fez uma pausa, permitindo que suas palavras ecoassem.

— Assim como Bacamarte busca entender a mente humana, nós buscamos entender o que nos torna humanos através de nossas obras. Cada um à sua maneira, contribuímos para um entendimento mais profundo da vida e da sociedade. E, se pudermos aprender uns com os outros, talvez possamos criar um universo literário ainda mais rico.

Os três escritores, tocados pela análise de Machado, concordaram, reconhecendo que, no final das contas, a literatura é um diálogo contínuo. Eles estavam apenas começando a explorar as maravilhas que poderiam surgir de suas interações, prontos para desafiar e inspirar uns aos outros, como verdadeiros mestres da palavra.

Com risadas e promessas de um novo encontro, os escritores se despediram, cada um levando consigo a certeza de que, embora suas obras fossem diferentes, a paixão pela escrita os unia em um laço eterno. E assim, na biblioteca dimensional, as histórias continuaram a se entrelaçar, trazendo à vida a magia da literatura.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

A última noite de Natal

  

Era uma véspera de Natal na cidade. As luzes coloridas piscavam nas janelas, e as vitrines das lojas estavam adornadas com enfeites brilhantes e delicadas árvores de Natal, mas para João, um homem idoso de cabelos brancos e mãos enrugadas, tudo isso parecia distante, quase irrelevante. Ele caminhava lentamente pelas ruas, seu coração pesado com a solidão que o acompanhava como uma sombra.

As ruas estavam repletas de famílias, risadas e abraços calorosos, mas João se sentia como um espectador em um mundo que não o incluía. Ele parou em frente a uma vitrine que exibia uma bela mesa posta, com pratos finamente decorados e presentes embrulhados com cuidado. A cena o fez lembrar de tempos passados, quando sua casa estava cheia de vida e alegria, repleta de vozes familiares e risadas. Agora, tudo o que restava eram memórias.

Continuou seu passeio, observando as luzes refletindo na água acumulada em poças. O cheiro de pinheiro e canela pairava no ar, misturado ao aroma de castanhas assadas e chocolate quente. Cada passo que dava parecia ecoar em seu coração, um lembrete doloroso de sua solidão. Ele desejou que, ao menos, alguém o reconhecesse, que alguém o olhasse nos olhos e dissesse que ainda se importava.

Após algumas horas vagando pelas ruas, ele decidiu voltar para casa. A caminho, as paredes de sua pequena casa pareciam ainda mais frias. Assim que abriu a porta, uma onda de calor e amor o atingiu. Sua fiel companheira, Mila, uma cachorrinha de velhos cabelos grisalhos, com seus 17 anos de idade, estava à espera. Os olhos dela brilhavam com alegria ao vê-lo, e ela foi em direção a seus pés, abanando o rabo com entusiasmo. Para João, Mila era a única que sempre esteve ao seu lado, que nunca o abandonou.

Sentou-se no sofá, e Mila se acomodou sobre suas pernas, como fazia sempre. O calor do corpo dela confortava o coração de João, que, mesmo em meio à solidão, encontrava consolo na presença da sua amiga. Ele acariciou sua cabeça, sentindo a suavidade de seu pelo. Mas, à medida que o tempo passava, uma inquietação começou a crescer dentro dele. Algo não parecia certo.

Ele olhou para Mila e, de repente, percebeu que seu pequeno peito não subia e descia. O coração de João afundou. Ele a chamou, mas não houve resposta. Com mãos trêmulas, ele a pegou e a colocou em seu colo, mas a sua fiel companheira não reagiu. O desespero tomou conta dele ao perceber que Mila havia partido.

As lágrimas escorriam pelo seu rosto enrugado enquanto ele a segurava, a dor da perda se misturando à solidão que já o consumia. Ele havia prometido que nunca a abandonaria, que sempre estariam juntos. Agora, ele se sentia perdido, sem saber como seguir em frente.

Com o coração pesado, João, segurando Mila em seus braços, em meio ao luto, começou a rezar. Com a voz embargada, pediu a Deus que o levasse também, que o levasse para estar com sua fiel amiga, onde quer que ela estivesse. Ele não queria viver em um mundo sem ela, sua única companheira que sempre o amou incondicionalmente.

“Meu Deus,” ele murmurou, “leve-me para onde ela está. Eu prometi que nunca a deixaria sozinha. Se for possível, que eu possa encontrá-la novamente.”

As palavras saíam de seu coração, um apelo de um homem que já não tinha mais a quem recorrer. O som da cidade lá fora se tornava distante, enquanto sua alma se unia em um último desejo. Ao sentir a ausência de Mila, ele sabia que o amor verdadeiro não se extingue com a morte.

Então, como se Deus tivesse ouvido sua prece, João sentiu uma paz inexplicável invadir seu ser. Seu coração, que tantas vezes havia carregado a tristeza da solidão, começou a desacelerar. Ele olhou para Mila, agora tão serena em seus braços, e um sorriso triste surgiu em seu rosto. Em um último suspiro, ele se deixou levar, o peso da vida desaparecendo enquanto se reunia com sua querida companheira de tantos anos.

E assim, naquela noite de Natal, João e Mila partiram juntos, lado a lado, em um último abraço eterno. Na quietude daquele momento, eles encontraram o que tanto buscavam: a certeza de que, onde quer que estivessem, nunca mais estariam sozinhos.
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MORAL:
O sofrimento das pessoas idosas, como João, que se sentem abandonadas por parentes e amigos, é uma realidade dolorosa e muito frequente e muitas vezes invisível na sociedade. À medida que envelhecemos, as relações podem mudar, e muitos idosos enfrentam a solidão em um momento em que mais precisam de apoio e companhia.

A falta de tempo se torna uma desculpa comum, mas, para o idoso, essa ausência pode se traduzir em solidão profunda e tristeza. A sensação de que não são mais úteis é dolorosa e pode levar a um ciclo de desânimo e depressão. Videochamadas e mensagens podem ajudar, mas nada se compara ao calor de uma visita pessoal. Para muitos idosos, a falta de interação face a face amplifica a sensação de abandono, fazendo-os sentir que seus entes queridos estão longe não apenas fisicamente, mas também emocionalmente.

A tristeza da perda de um companheiro fiel, como no caso de João, pode ser devastadora, lembrando-os da fragilidade de suas relações e da inevitabilidade da morte. A história de João e Mila é um reflexo da realidade de muitos idosos que enfrentam o abandono e a solidão. É um chamado à empatia e à ação, lembrando-nos da importância de cultivar relações significativas e de cuidar daqueles que nos deram tanto ao longo de suas vidas. Cada gesto de amor e atenção pode fazer uma diferença significativa na vida de um idoso, ajudando a transformar a solidão em conexão e esperança.

Fontes: 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A solidão das cadeiras vazias

O crepitar dos fogos de artifício ecoava pela cidade, iluminando o céu noturno com cores vibrantes. Era a época do ano em que a alegria parecia contagiar a todos, mas, para muitos, essa festa era apenas um lembrete da solidão. Nas janelas empoeiradas de um pequeno apartamento, Dona Lucinda se acomodava em sua cadeira de balanço, o mesmo lugar que ocupava há décadas. Com um olhar distante, observava os fogos riscando o céu, enquanto lembranças do passado dançavam em sua mente.

Dona Lucinda era uma mulher de noventa anos, cheia de histórias e vivências. Nos tempos áureos, sua casa estava sempre repleta de risadas, familiares e amigos. Ela era a matriarca da família, a que organizava as festas, as ceias, a que contava histórias de um tempo em que o mundo parecia mais gentil. Mas, ao longo dos anos, as perdas foram se acumulando. Filhos que se foram, amigos que se afastaram, e a solidão, silenciosa, se instalou em sua vida.

Enquanto os fogos iluminavam o céu, Dona Lucinda não conseguia evitar a tristeza que a envolvia. A saudade apertava o seu peito. Lembrou-se de como costumava dançar com seu falecido marido, Jorge, sob as estrelas, com a música embalando seus sonhos. “Como o tempo passa”, pensou, enquanto uma lágrima escorria por seu rosto enrugado. O barulho da festa lá fora parecia distante, quase como um eco de um mundo que já não pertencia a ela.

A solidão dos mais velhos, especialmente nas festividades de fim de ano, é um tema que frequentemente passa despercebido na correria das celebrações. Muitas vezes, todos estão tão ocupados com os preparativos, os encontros e as festanças que esquecem que, do outro lado da rua, existem pessoas que gostariam de ser lembradas. A vida moderna, com sua agitação e individualismo, muitas vezes deixa para trás aqueles que construíram as bases da sociedade.

Dona Lucinda não era a única. Em cada esquina, havia histórias semelhantes. O senhor Manoel, que morava no andar de cima, também estava sozinho. Ele costumava ser um contador de histórias, mas agora suas narrativas eram apenas sussurros perdidos no vento. E a dona Rita, que sempre preparava os melhores doces para a ceia, agora se via cercada por caixas vazias, enquanto o cheiro de panetone no mercado a lembrava de tempos melhores.

A conscientização sobre a solidão dos mais velhos deve ser um esforço coletivo. Precisamos olhar para além de nossas vidas agitadas e enxergar aqueles que estão à nossa volta. Um simples gesto – uma visita, um telefonema, ou mesmo um convite para a ceia – pode fazer toda a diferença. É preciso que cada um de nós se lembre que, enquanto estamos cercados de amigos e familiares, há quem deseje apenas um pouco de companhia, quem apenas anseia por um ouvido atento.

Naquela noite de Ano Novo, ao invés de se deixar consumir pela tristeza, Dona Lucinda decidiu fazer algo diferente. Lembrou-se de um projeto que havia começado anos atrás: uma cartinha escrita à mão para cada um de seus netos, contando um pouco de suas memórias e desejos. Com um novo ânimo, pegou papel e caneta e começou a escrever. Enquanto as palavras fluíam, sentiu-se menos sozinha. Era como se, ao relembrar sua história, ela pudesse compartilhar um pedaço de sua vida com aqueles que amava.

A festa lá fora continuava, mas dentro do pequeno apartamento, um novo brilho começava a surgir. A cada palavra escrita, Dona Lucinda sentia que estava, de alguma forma, conectando-se novamente ao mundo. Assim como os fogos de artifício que iluminavam a noite, suas lembranças também brilhavam, oferecendo um vislumbre de esperança.

MORAL:
A vida continua, e a importância de estender a mão a quem está sozinho é uma responsabilidade que todos devemos carregar. Que no fim de ano, ao celebrarmos juntos, possamos sempre lembrar das cadeiras vazias e fazer delas, por um momento, lugares cheios de histórias e amor. Porque, no fundo, cada um de nós é um pouco da história do outro.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Fábula do Gato, do Cachorro, da Raposa e do Homem

 Naqueles tempos em que os animais falavam. 


Em uma aldeia tranquila, um gato chamado Felix, um cachorro chamado Bruno, e uma raposa chamada Bela, viviam em harmonia, cada um com suas peculiaridades, mas sempre respeitando as diferenças uns dos outros. 

Felix, o gato, era astuto e independente. Passava os dias explorando os telhados e caçando pequenos insetos. Bruno, o cachorro, era leal e protetor. Passava seu tempo cuidando da casa de seu dono e brincando com as crianças da aldeia. Bela, a raposa, era curiosa e hábil, sempre buscando novas aventuras na floresta. 

Certa manhã, enquanto os três amigos se reuniam perto da fonte, um homem apareceu na aldeia. Ele era conhecido por ser muito rico, mas também muito ganancioso. O homem tinha ouvido falar das habilidades únicas de cada um dos animais e decidiu que os queria para si. Assim, ele planejou capturá-los. 

Felix, com sua astúcia, percebeu os olhares do homem e alertou seus amigos. “Vocês viram aquele homem? Ele não parece confiável. Precisamos ter cuidado.” 

Bruno, sempre protetor, respondeu: “Devemos nos unir e confrontá-lo. Juntos, poderemos nos defender.” 

Bela, porém, tinha uma ideia diferente. “E se usássemos a astúcia de Felix e a força de Bruno para despistá-lo? Podemos mostrar a ele que não somos brinquedos para serem possuídos.” 

Os três concordaram em criar um plano. Enquanto Felix se escondia entre as sombras, Bruno latiu alto, atraindo a atenção do homem. Assim que o homem se aproximou, Felix saltou rapidamente de onde estava, surpreendendo-o e fazendo-o tropeçar. Bela, ágil como sempre, correu em círculos ao redor do homem, criando uma distração. 

O homem, confuso e irritado, tentou capturar Bela, mas ela era muito rápida. Com um último movimento astuto, ela levou o homem a correr atrás dela em direção à floresta. 

Os três amigos aproveitaram a oportunidade para se afastar, rindo juntos de sua esperteza. 

No entanto, enquanto corriam, Bela começou a se sentir culpada. “Acho que fizemos algo errado. O homem, por mais ganancioso que seja, apenas queria nos levar com ele. Não podemos simplesmente desprezar os sentimentos dos outros.” 

Felix concordou, mas Bruno estava preocupado. “Mas ele só faria isso para nos explorar. Não podemos permitir que isso aconteça.” 

Após algumas horas de reflexão, eles decidiram voltar à aldeia. Enfrentariam o homem e tentariam convencê-lo a mudar seus modos. Com coragem no coração, os três se aproximaram da casa do homem. 

Quando chegaram, encontraram-no sentado na varanda, visivelmente frustrado. “O que vocês querem?” perguntou o homem, com um tom de desdém. 

Felix, sempre astuto, começou: “Viemos aqui para conversar. Sabemos que você tem suas razões para querer nos capturar, mas gostaríamos de lhe mostrar que a amizade e a liberdade são mais valiosas do que a posse.” 

Bruno acrescentou: “Você pode ter tudo o que deseja, mas a verdadeira felicidade não vem de dominar os outros. Vem de compartilhar e respeitar.” 

Bela, com sua sinceridade, finalizou: “Se você nos deixar livres, poderá se surpreender com o que podemos oferecer. A amizade é um presente que não se pode comprar.” 

O homem, tocado pelas palavras dos animais, começou a refletir. Ele percebeu que, apesar de sua riqueza, estava solitário. Ao ver a união e a amizade entre Felix, Bruno e Bela, algo dentro dele começou a mudar. 

“Talvez vocês tenham razão,” disse o homem, com um sorriso tímido. “Eu sempre pensei que a riqueza me traria felicidade, mas agora vejo que a verdadeira riqueza está em relacionamentos. Vocês estão livres. Não quero mais aprisioná-los.” 

Os três amigos, aliviados e felizes, agradeceram ao homem e partiram. Eles aprenderam que, mesmo diante da adversidade, o diálogo e a compreensão podem mudar corações. 

Moral da Fábula
A verdadeira riqueza não está na posse, mas na amizade e na liberdade. Quando respeitamos os outros e buscamos entendimento, podemos transformar até os corações mais gananciosos.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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sábado, 21 de dezembro de 2024

O lado cômico das salas de espera

Ah, as salas de espera! Esses pequenos microcosmos onde a paciência é testada e as conversas são tão variadas quanto os tipos de revistas deixadas à disposição. Entrar em uma sala de espera é como abrir um livro de contos, onde cada personagem é uma história esperando para ser contada.

Imagine a cena: você entra, e logo é recebido pelo cheiro característico de desinfetante misturado com café amargo. As cadeiras, dispostas em fileiras, parecem mais um jogo de Tetris mal resolvido. Algumas estão ocupadas por pessoas que, claramente, têm mais histórias do que você pode imaginar. A primeira delas é a senhora de cabelos brancos que traz em sua bolsa tudo o que poderia ser necessário em uma emergência: um lanche, uma garrafinha de água, e, por que não, um livro de receitas! Ela envia um olhar curioso para você, e você se pergunta se deve acenar ou simplesmente focar na sua revista de moda de 1998, que está mais desatualizada que a previsão do tempo para o próximo mês.

À sua direita, um homem de terno, que poderia facilmente ser confundido com um agente secreto, está nervosamente digitando em seu celular. Não se sabe se ele está respondendo a e-mails importantes ou se está apenas tentando achar um meme que explique sua situação atual. O que realmente faz você rir é que, em algum momento, ele ergue os olhos e dá uma rápida olhada ao redor, como se estivesse verificando se alguém o está espionando. O que ele não percebe é que todos ali já se tornaram especialistas em decifrar expressões faciais enquanto aguardam sua vez.

No canto, um grupo de crianças se contorcendo em suas cadeiras, cada uma mostrando sua habilidade inata de fazer barulhos estranhos. Enquanto uma delas tenta imitar o som de um motor de carro, outra começa a cantarolar uma música que você não consegue identificar, mas que, de alguma forma, se encaixa perfeitamente na trilha sonora daquela sala. Os pais, com a expressão de quem está prestes a ganhar o prêmio de "Paciência do Ano", tentam controlar a situação, mas a batalha parece perdida. Afinal, quem pode competir com a energia contagiante de uma criança?

Em um canto mais afastado, um homem idoso está sentado em silêncio, observando tudo. Ele parece um filósofo à espera de uma epifania. Quando você olha para ele, ele ergue uma sobrancelha, como se dissesse: "Essa é a vida, meu jovem. Aceite-a". E você se pergunta se ele está ali esperando uma consulta médica ou se apenas decidiu fazer uma pausa na rotina para refletir sobre o sentido da vida — ou sobre o que vai almoçar depois.

E como esquecer das revistas? Ah, as revistas! Revistas de beleza, saúde, viagens e, claro, aquelas que têm pelo menos cinco anos de defasagem. Você se pega folheando uma que ensina como fazer um penteado da moda, enquanto a única coisa que você consegue pensar é que seu cabelo está preso em um coque improvisado e que você não tem a menor ideia do que está fazendo. É um exercício de autoafirmação: "Sim, eu poderia ser a próxima influenciadora digital, se não fosse por esta sala de espera e por este coque desastroso".

E, claro, há sempre o clássico "sistema de chamadas" que, em algum momento, decide brincar de esconde-esconde. O nome é chamado, mas a pessoa está tão absorta em seus pensamentos ou na tela do celular que, por um breve momento, o mundo para. Você observa o agente secreto, a senhora com a bolsa mágica e as crianças, todos em um estado de suspense coletivo, torcendo para que o chamado não seja seu. Quando finalmente a pessoa se levanta, todos exalam um suspiro coletivo, como se tivessem acabado de assistir a um clímax emocionante de um filme.

A sala de espera, com suas peculiaridades, é um reflexo da vida: cheia de personagens, histórias e momentos de espera que, à primeira vista, podem parecer comuns, mas que, quando observados de perto, se revelam um espetáculo digno de ser apreciado.

E assim, enquanto o tempo se arrasta e o relógio parece ter decidido entrar em modo de férias, você percebe que, apesar da ansiedade da espera, há sempre algo surpreendente ao seu redor. 

A sala de espera é, afinal, um lugar onde o cotidiano se transforma em um espetáculo, e o comportamento das pessoas estão sempre à espreita, esperando para serem descobertas.

Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR:  Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Os ratinhos da sala 006

Numa Universidade, a sala de aula 006 tinha uma fama peculiar. Não era pela dificuldade das matérias, nem pelos professores excêntricos. Era pelo ar-condicionado, que, ao invés de refrescar, se tornou o centro das atenções. 

No alto, junto ao teto, morava um casal de ratos, que decidiu fazer do ventilador seu lar.

Era uma manhã ensolarada, e a turma de Introdução à Teoria do Caos se preparava para mais uma aula com a Professora Rivalda, uma mulher de cabelo desgrenhado e uma paixão inabalável por teorias bizarras. Assim que os alunos se acomodaram, notaram algo incomum: os rabos dos ratos balançavam suavemente para frente e para trás, como se estivessem dançando ao som de uma música invisível.

— Olhem! — exclamou Ana, a aluna mais observadora da turma. — Tem ratos no ar-condicionado!

A sala toda virou os olhos para o teto. Os rabos dos ratos pareciam ter vida própria, e a atenção dos alunos se desviou completamente da palestra sobre o caos. A professora, sem perceber, continuou sua explicação sobre como o caos pode ser encontrado até nas coisas mais cotidianas.

— E como a teoria do caos nos ensina que pequenas mudanças podem ter grandes consequências… — ela disse, mas a turma só conseguia pensar nos ratos.

— Olha como eles se movem! — sussurrou João, o engraçadinho da turma. — Parece que estão fazendo uma coreografia!

Os alunos começaram a imitar os movimentos dos rabos com suas próprias mãos, enquanto a professora, sem entender o que estava acontecendo, continuava a falar sobre o efeito borboleta. 

— Se uma borboleta bate suas asas na China… — começou, mas foi interrompida por um grito de Maria, que estava na janela.

— Eles estão se aproximando!

Na verdade, os ratos estavam apenas se espreguiçando, mas a turma entrou em pânico. Alguns alunos começaram a fazer piadas, enquanto outros tiravam fotos dos rabos balançantes. A sala virou um verdadeiro pandemônio.

— E se eles caírem? — perguntou Lúcia, com uma expressão de preocupação. — E se forem gigantescos?

— São apenas ratos comuns! — respondeu João, rindo. — Mas se eles caírem, pelo menos teremos um espetáculo ao vivo!

A professora finalmente percebeu a distração da turma e olhou para o teto. Com um olhar confuso, ela disse:

— O que vocês estão olhando? Isso não faz parte da aula!

Mas, ao olhar para os rabos balançando, ela também não pôde deixar de rir. O ar-condicionado tinha se tornado um cenário mais interessante do que sua aula sobre caos e desordem.

— Muito bem, vamos aproveitar a situação! — disse ela, com um brilho nos olhos. — Que tal uma discussão sobre o que o comportamento dos ratos pode nos ensinar sobre a ordem e o caos?

Os alunos começaram a debater animadamente, enquanto os ratos, sem saber que eram estrelas, continuavam sua dança acrobática. Um deles, que parecia mais ousado, desceu um pouco mais perto da borda do ar-condicionado, como se estivesse pronto para um salto.

— E se ele pular? — perguntou Ana, cheia de expectativa.

— Vai ser a primeira apresentação de ratos da história da universidade! — brincou João, fazendo todos rirem.

Finalmente, o ousado rato decidiu descer, mas, ao chegar na borda, hesitou. O silêncio na sala era palpável, todos segurando a respiração. Com um movimento súbito, ele pulou, mas, em vez de cair no chão, foi direto para o colo de um estudante que estava distraído mexendo no celular.

O grito do estudante ecoou pela sala, fazendo a professora quase perder o equilíbrio. O rato, assustado, correu de volta para o ar-condicionado, enquanto a turma explodia em risadas.

— Isso é caos! — gritou a professora, agora realmente empolgada. — Esse é o verdadeiro efeito borboleta!

A aula, que deveria ser sobre teoria, se transformou em um festival de risadas e histórias absurdas sobre ratos e suas aventuras. No final, todos concordaram que a sala 006 tinha se tornado um lugar mágico, onde até os ratos tinham o poder de transformar o tédio em diversão.

E assim, a fama dos ratos se espalhou pela universidade, fazendo com que todo semestre novos alunos se inscrevessem apenas para ver o espetáculo dos rabos balançantes. E quem diria que um ar-condicionado poderia ser o ponto de partida para tantas risadas e aprendizados sobre a vida?

E assim, entre risos e rabos balançantes, a aula sobre o caos se tornou um clássico da Universidade, eternizando os ratinhos da sala 006 na memória de todos.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Companheiros de Infortúnio

Era uma fria manhã de dezembro quando o Professor Bruno, um ex-professor universitário de filosofia, acordou em um canto da calçada na cidade de Fênix, interior do Paraná, que antes considerava seu lar. O sol mal havia surgido, e a brisa gelada cortava o ar, lembrando-o de mais um dia de luta. Ao seu lado, um filhote de cachorro, que ele carinhosamente nomeara de Akira, se espreguiçava e se aconchegava em seu casaco velho. Akira não era um cão de raça pura; seu pai era um vira-lata cruzou com uma akita, e o resultado era um adorável, mas pouco convencional, companheiro.

A história de Bruno era uma das muitas tristes histórias que a cidade escondia sob sua fachada vibrante. Ele havia investido todas as suas economias em uma escola que prometia revolucionar a educação da região. Infelizmente, a escola faliu, levando consigo não apenas o sonho dele, mas também a sua família. Sua esposa, sem conseguir suportar a pressão financeira, e seus dois filhos, que cresceram em meio a dificuldades, decidiram deixá-lo. Bruno ficou sem nada, apenas com suas memórias e um sentimento profundo de perda.

Os anos passaram e, enquanto a cidade se enchia de luzes e decorações natalinas, Bruno e Akira sobreviviam nas ruas, buscando restos de comida nos restaurantes e se aquecendo juntos sob cobertores velhos. Ele mantinha sua dignidade; ele nunca pediu dinheiro. Em vez disso, usava seu tempo para observar as pessoas, refletindo sobre a vida e as escolhas que o levaram àquela situação. Akira, com seu olhar inocente e leal, era seu único conforto.

Na véspera de Natal, enquanto Bruno e Akira se aqueciam com o pouco que tinham, um jornalista chamado Lídio passava pela rua. Ele estava em busca de histórias humanas para compartilhar em uma reportagem especial sobre o espírito natalino. Ao ver a cena do professor idoso com seu cachorro, se aproximou, sentindo uma mistura de compaixão e curiosidade.

— Olá, senhor! — disse Lídio, oferecendo um sanduíche que havia comprado. — Quer comer algo?

Bruno, com um sorriso gentil, agradeceu e, em um gesto inesperado, pediu licença para dar o conteúdo do sanduíche a Akira, ficando apenas com o pão.

— Por que você faz isso? — indagou Lídio, intrigado.

— Akira é meu guarda-costas — respondeu Bruno, com um brilho nos olhos. — Quando me deito para dormir, preciso que ele esteja bem alimentado e alerta. Ele me protege enquanto eu descanso. 

Lídio ficou impressionado com a resposta. Ali estava um homem que, mesmo em meio ao sofrimento, ainda encontrava formas de cuidar e valorizar a amizade que tinha com seu cachorro. Bruno começou a contar sua história: suas esperanças, seus sonhos, e a dolorosa queda que o levou àquela vida. O jornalista, emocionado, escutava atentamente, sentindo que havia mais naquele homem do que as circunstâncias da vida haviam deixado à vista.

Movido pela história do professor e a pureza do amor entre ele e Akira, decidiu levá-los para passar o Natal em sua casa. 

Quando chegaram, a casa estava cheia de amigos jornalistas, todos prontos para celebrar. Lídio apresentou Bruno e Akira e, ao contar a história deles, a sala se encheu de emoção. As pessoas estavam tocadas, e as câmeras começaram a registrar aquele encontro inusitado.

A reportagem que Lídio criou trouxe a história de Bruno e Akira para a televisão. À medida que a história se espalhava, algo maravilhoso aconteceu. O espírito natalino despertou nos corações das pessoas. Doações começaram a chegar de toda a cidade. As pessoas se uniram, não apenas para oferecer dinheiro, mas também carinho e apoio. O prefeito, sensibilizado pela história, fez questão de oferecer uma casa para eles.

Na manhã de Natal, Bruno acordou em um lar, rodeado por amigos e pessoas que se importavam com ele. A felicidade não estava apenas nas doações, mas na conexão humana que se formou ao redor de sua história. Ele percebeu que, apesar de todas as dificuldades e das perdas, ainda havia amor e solidariedade no mundo.

Enquanto Akira corria pelo quintal, ele refletiu sobre a nova vida que começava. Ele se sentiu grato não apenas pelas doações, mas pela empatia que havia encontrado nas pessoas. O Natal não era apenas uma data; era uma oportunidade de recomeçar e de lembrar que, mesmo nas piores situações, a bondade humana pode brilhar intensamente.

Após o Natal, a vida de Bruno e Akira começou a se transformar de maneira surpreendente. Com o apoio da comunidade e a nova casa que o prefeito havia oferecido, Bruno sentiu que estava finalmente recuperando um pouco da dignidade que havia perdido. Mas, no fundo de seu coração, havia uma dor persistente: a saudade de sua família.

Um dia, enquanto passeava com Akira pelo parque próximo à nova casa, viu um grupo de crianças brincando e rindo. Aquelas risadas o lembraram de seus filhos, de como suas vidas haviam mudado e do quanto ele sentia falta deles. 

Decidido a tentar, começou a escrever cartas. Ele escreveu para cada um deles, expressando seu amor, sua dor e o desejo de se reconectar, mesmo que houvesse passado tanto tempo.

Com a ajuda de Lídio, o jornalista que se tornara seu amigo, enviou as cartas. Lídio ajudou a encontrá-los, e, após semanas de espera, uma resposta finalmente chegou. Sua esposa, Bianca, escreveu que, embora a dor da separação ainda fosse grande, ela nunca deixou de pensar nele. As cartas dele tocaram seu coração e despertaram uma vontade de recomeçar.

Bianca e os filhos concordaram em se encontrar com Bruno. 

O reencontro aconteceu em um dia ensolarado de primavera, no mesmo parque onde ele costumava passear com Akira. Bruno estava nervoso, mas também esperançoso. Quando viu Bianca e as crianças se aproximando, seu coração disparou. Os olhos dela brilharam ao reconhecer o homem que ainda amava, e ele sentiu que, apesar dos anos, o amor ainda estava presente.

As crianças, agora um pouco mais velhas, foram até ele, hesitantes, mas curiosas. Ele se ajoelhou para abraçá-las e, naquele momento, as lágrimas rolaram por seu rosto. Akira, percebendo a emoção, se aproximou, abanando o rabo e buscando carinho.

— Eu sinto tanto a falta de vocês — disse com a voz embargada. — Nunca deixei de amar vocês.

Bianca, emocionada, respondeu: — Nós também sentimos sua falta. A vida não foi fácil, mas suas cartas nos mostraram que ainda existe esperança.

A conversa fluiu, repleta de histórias e risadas, e os ressentimentos começaram a se dissipar. Ele compartilhou como havia mudado, como o amor de Akira o ajudou a encontrar força e dignidade novamente. As crianças estavam fascinadas pelo cachorro, e ele foi cercado por elas, recebendo carinho e atenção.

Com o passar do tempo, o reencontro se transformou em um recomeço. Eles começaram a reconstruir a confiança e a amizade, enquanto as crianças se acostumavam a ter o pai de volta em suas vidas.

O Natal daquele ano foi especial de uma forma que Bruno nunca imaginou. Ele não apenas reconquistou um lar, mas também a possibilidade de um futuro juntos. A empatia e a solidariedade que haviam florescido em sua vida agora se estendiam a sua família, mostrando que, mesmo após as maiores adversidades, o amor pode sempre encontrar um caminho de volta.

E assim, Bruno, Bianca, os filhos e Akira celebraram o Natal juntos, cercados por amor e gratidão, prontos para enfrentar o futuro como uma família unida novamente.

A história de Bruno é um testemunho poderoso da resiliência humana e da capacidade de recomeçar. Ele nos ensina que, mesmo diante das adversidades, o amor e a empatia podem nos guiar de volta à esperança. A conexão que ele reconstrói com sua família, junto ao carinho incondicional de Akira, demonstra que os laços familiares e a solidariedade têm o poder de curar feridas profundas. É uma lembrança de que nunca estamos sozinhos e que sempre há espaço para a renovação e o perdão. Essa jornada nos inspira a valorizar as relações e a buscar a luz mesmo nos momentos mais sombrios.
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* José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Foi professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos, sendo enxadrista de 1a. Categoria; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Paulo Leminski, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente pertence a Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Diversas premiações em trovas e poesias.

Fonte:s 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
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O Ajudante Robô na Horta

Certa manhã, Dona Elda decidiu que era hora de modernizar a horta. Após ver um comercial sobre um robô ajudante, ela teve uma ideia. — Lelé,...