sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Contos em versos diversos: Apenas uma mão


Era um senhor de roupas gastas,  
com o andar lento e olhar cansado.
Na calçada, suas memórias vastas  
contavam histórias de um tempo amado.  

Um dia, tropeçou, a queda foi dura,  
e junto ao muro lá ficou a gemer.  
Clamava por ajuda em sua amargura,  
mas ninguém o ouvia, mesmo vendo-o sofrer.  

Os passantes, apressados, viam um mendigo,  
e o ignoravam, sem parar para olhar.  
Pensavam que era só queria um abrigo,  
um bêbado perdido, sem lar para ficar.  

Mas eis que um jovem com olhar atento,  
se aproximou, perguntando com bondade:  
“Senhor, precisa de algum auxílio ou alento?”  
A voz sincera trouxe-lhe felicidade.  

“Só preciso de ajuda para me levantar,”  
disse o velho, com um sorriso tímido.
O rapaz com força, o pôs a caminhar,  
e juntos seguiram num passo decidido.  

Chegaram a um palacete, imponente e belo,  
o jovem, espantado, não podia crer.  
“Este é meu lar, um lugar singelo,  
venha, entre, e vamos nos conhecer!”  

O jovem, surpreso, aceitou o convite,  
e um laço de amizade começou a florescer,  
contaram histórias, entre risos sem limite…  
Um encontro de almas, um novo amanhecer.  

Mas a moral que ecoa em nossos corações,  
é que a compaixão é um bem que se retrai,  
pois muitos, em meio às suas aflições,  
ignoram o próximo, uma vida que se esvai.  

Que possamos, como o jovem, olhar além,  
e estender a mão aos necessitados,  
pois cada ser humano tem um valor também,  
e a bondade é a luz dos seres abençoados.

                                                                                                                                        (criação da imagem com Microsoft Bing)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Contos em versos diversos: O Desconfiado


Em um lar onde o amor reinava,
um homem, de coração aflito,
sentia que a esposa o enganava,
sentindo em si grande conflito.

Os olhos dela, em certos momentos,
eram nuvens que ocultavam o sol,
e os sorrisos em novos sentimentos,
pareciam dançar em um arrebol.

Certa noite, a dúvida o tomou,
decidiu então, segui-la ao luar,
escondido nas sombras ele ficou,
e viu a esposa se deixar levar.

Com um homem bonito, jovem e audaz,
ela se entregou em longo abraço,
o coração do marido em meio à paz,
desabou, sentindo-se ele um bagaço.

Quando ela voltou, ele a esperava,
o olhar ardente, a voz em fúria,
“Traidora!”, bradou, enquanto ela falava,
e a casa virou um palco de penúria.

Acusações voaram como flechas cortantes,
e a vizinhança começou a se aglomerar,
os gritos ecoavam em tons vibrantes,
o homem em chamas não parava de gritar.

Mas, logo à porta, o jovem se apresentou,
com um sorriso que apagava o temor,
“Sou irmão dela, aquele que se afastou,
mais de vinte anos, sem saber de seu amor.”

O marido, atônito, não entendia nada,
a vergonha o envolveu como um véu,
a esposa, com lágrimas, a história contada,
derrubou o peso que pesava no céu.

O homem galante, era apenas um irmão,
sorrindo, enquanto a tensão se desfazia,
o esposo, com vergonha, em confusão,
não sabia onde a sua cara metia.

E assim, a noite se transformou em paz,
com conversas e memórias a ressoar,
o amor, que antes parecia fugaz,
renovou-se, como o sol a brilhar.

O desconfiado, agora em reflexão,
aprendeu que, às vezes, tudo é ilusão,
e que o amor verdadeiro em sua missão,
supera os medos e traz renovação.

(criação da imagem com Microsoft Bing)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Roteiro para uma peça teatral (A Pensão do Riso)

 
CENÁRIO: 

Uma pensão antiga e um tanto bagunçada, com paredes descascadas e um cheiro peculiar de feijão com arroz. Os hóspedes são uma mistura de personagens excêntricos. 
 
PERSONAGENS: 

Dona Teresa: A proprietária da pensão, uma senhora de idade avançada, cheia de energia e sempre com um comentário engraçado na ponta da língua. 

Seu Joaquim: Um aposentado que vive contando histórias de sua juventude, sempre exageradas. 

Mariana: Uma jovem estudante de teatro, sonhadora e cheia de ideias malucas. 

Tio Mário: Um viajante que nunca sai da pensão, sempre esperando uma oportunidade de ganhar na loteria. 

Clara: Uma mulher que vive reclamando, mas que no fundo é bem-humorada. 
 
CENA 1: O CAFÉ DA MANHÃ
 
(A manhã começa com Dona Teresa na cozinha, fazendo barulho enquanto prepara o café. Seu Joaquim já está à mesa, contando uma de suas histórias épicas.) 

Seu Joaquim: (com entusiasmo) E então, eu disse ao piloto: "Se você não me deixar pilotar, eu vou gritar!" E não é que ele deixou? 

Dona Teresa: (sem olhar para ele) Joaquim, você nunca pilotou um avião na vida! 

Seu Joaquim: (fazendo uma pausa dramática) Exatamente. Por isso gritei! O medo é um excelente motivador! 

(Mariana entra, com uma toalha na cabeça e um olhar sonolento.) 

Mariana: Bom dia, pessoal! Alguém viu meu texto? Deixei em cima da mesa. 

Dona Teresa: (rindo) O que você escreveu, querida? "Como fazer uma omelete sem ovos"? 

Mariana: (revirando os olhos) Muito engraçado, Dona Teresa. Era sobre a vida no teatro! 

Tio Mário: (interrompendo) O que eu queria mesmo era um papel no teatro! Se eu ganhar na loteria, vou ser ator famoso! 

Clara: (entrando com um olhar de reprovação) E se você ganhar na loteria, Tio Mário, você vai comprar um par de sapatos novos primeiro? 

Tio Mário: (com um sorriso) Sapatos? Para quê? Para ficar em casa? 
 
CENA 2: O ALMOÇO 

(Durante o almoço, Dona Teresa serve um prato de feijão e arroz, enquanto os hóspedes discutem animadamente.) 

Dona Teresa: (colocando o prato na mesa) Aqui está: feijão com arroz, o verdadeiro banquete da pensão! 

Seu Joaquim: (mordendo o feijão) Ah, Dona Teresa, este feijão é tão bom que eu poderia jurar que você tem um chef escondido na cozinha! 

Dona Teresa: (piscando) Tenho sim. Ele se chama "meu marido". Mas ele não cozinha desde 1980! 

Mariana: (rindo) Então, se você não tem um chef, você é a chef ou a "chefa"? 

Dona Teresa: (com uma expressão de orgulho) Sou a chefa! E não aceito reclamações, a menos que sejam sobre o feijão frio. 

Clara: (murmurando) Se o feijão estiver frio, eu vou reclamar! 

Tio Mário: (levantando a mão) Eu tenho uma ideia! Vamos fazer um concurso de quem consegue comer mais feijão! 

Mariana: (brincando) Isso vai acabar em uma competição de flatulência! 

(Todos riem, exceto Clara, que faz uma cara de desgosto.) 
 
CENA 3: O JOGO DE TABULEIRO 

(Após o almoço, os hóspedes se reúnem na sala para jogar um jogo de tabuleiro. O clima é descontraído.) 

Dona Teresa: (distribuindo as peças) Então, quem vai ser o banqueiro? 

Tio Mário: (levantando a mão) Eu! Afinal, estou esperando a minha grande chance! 

Seu Joaquim: (com um sorriso) Espero que você tenha mais sorte aqui do que na vida real! 

Mariana: (sorrindo) Vamos ver se você consegue ganhar algo além de um sorriso! 

(O jogo começa, e logo a competição esquenta.) 

Clara: (reclamando) Não vale! O Tio Mário está trapaceando! 

Tio Mário: (fazendo cara de inocente) Eu? Nunca! Estou apenas... ajustando as regras! 

Dona Teresa: (rindo) Ajustando as regras? Você quer dizer "mudando as regras conforme sua necessidade"? 

Seu Joaquim: (apontando) Isso soa como uma ótima estratégia para a vida, não é? "Mude as regras e ganhe sempre!" 

Mariana: (pensativa) E se a vida fosse um grande jogo de tabuleiro? Eu escolheria ser uma peça colorida! 
 
CENA 4: A NOITE 

(À noite, os hóspedes se reúnem no terraço da pensão, onde Dona Teresa serve chá.) 

Dona Teresa: (observando as estrelas) Olhem essas estrelas! Lindo, não é? 

Mariana: (suspirando) Eu sempre quis ser uma estrela de teatro, mas acho que vou me contentar em ser uma estrela da pensão! 

Clara: (brincando) E quem disse que você não é? Você já tem um público fiel! 

Seu Joaquim: (levantando o chá) A um brinde, então! Às estrelas da pensão! 

Tio Mário: (interrompendo) Mas eu quero brinde à loteria! 

Dona Teresa: (rindo) Tio Mário, você e suas loterias! Um dia você vai ganhar, e quando isso acontecer, não esqueça de nós! 

Tio Mário: (sonhando) Claro! Vou comprar a pensão e transformar isso em um hotel cinco estrelas! 

Clara: (sarcasticamente) Com o feijão como prato principal, certo? 

(Todos riem e brindam juntos.) 

CENA FINAL: REFLEXÕES E RISADAS 

(Os hóspedes se acomodam nas cadeiras, conversando e rindo sobre suas vidas e sonhos.) 

Mariana: (pensativa) Sabe, acho que a vida é como esse jogo: cheia de surpresas e algumas armadilhas. 

Seu Joaquim: (com um sorriso) E o melhor de tudo é que, mesmo com as armadilhas, temos sempre uns aos outros! 

Dona Teresa: (orgulhosa) Isso mesmo! Aqui na pensão, somos uma família, mesmo que um pouco maluca! 

Tio Mário: (com um brilho nos olhos) E quem sabe um dia eu ganho na loteria e nos levo para uma viagem! 

Clara: (brincando) Desde que eu não tenha que comer mais feijão! 

(Todos riem, enquanto as luzes se apagam lentamente, deixando a cena com uma sensação de calor e camaradagem.) 
 FIM 
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

A esperança nunca morre

Gumercindo, um senhor viúvo de 75 anos, passava seus dias em uma rotina tranquila, mas marcada pela solidão. Seu filho, Tião, de 25 anos, era seu maior orgulho e a razão de muitos sorrisos. No entanto, uma discussão durante um jantar, uma daquelas que surgem do nada, fez com que a relação entre eles desmoronasse. Tião, impetuoso e determinado a não aceitar a realidade que o cercava, saiu de casa sem se despedir, deixando seu pai com o coração pesado e a alma magoada.


Os anos passaram, e Tião, ao invés de buscar a reconciliação, mergulhou em sua carreira e em sua vida, tornando-se uma figura pública conhecida. O sucesso, no entanto, não preencheu o vazio deixado pela falta do pai. Gumercindo, por sua vez, esperava. Cada dia, sentado na varanda de sua casa, ele olhava pela rua, esperando que o filho voltasse. O orgulho que sentia por Tião era imenso, mas a dor do abandono o corroía lentamente.

Foi em um dia qualquer, após cinco longos anos, que Tião leu uma notícia devastadora em um jornal: seu pai havia falecido. O mundo ao seu redor pareceu desmoronar. Desesperado, ele decidiu voltar para a cidade onde cresceu, onde a casa que um dia foi cheia de risos agora guardava apenas ecos de memórias.

Ao chegar, encontrou a casa fechada, como se o tempo tivesse parado. Foi então que Leandro, um vizinho e amigo de Gumercindo, ao vê-lo, se aproximou. Ele possuía a chave da casa e, percebendo a dor nos olhos de Tião, abriu a porta. O cheiro de madeira antiga e o silêncio o acolheram de maneira quase dolorosa.

Enquanto caminhava pela casa, Tião se surpreendeu ao ver recortes de jornais e fotos pendurados nas paredes. Cada conquista sua, desde a infância até a vida adulta, estava ali, como uma galeria de orgulho e amor. Gumercindo, mesmo na ausência do filho, havia encontrado maneiras de celebrar o seu sucesso. E foi nesse momento que Leandro começou a contar histórias sobre Gumercindo.

“Seu pai sentava aqui todos os dias, na varanda. Ele falava de você com tanto carinho...”, disse Leandro, com a voz embargada. “Ele esperava a sua volta, sonhando em poder te abraçar novamente. Mas a tristeza foi tomando conta dele. Ele tinha leucemia, e eu sempre tentava cuidar dele, mas a falta de você o consumia.”

Tião escutava em silêncio, cada palavra como uma punhalada em seu coração. A imagem de seu pai esperando por ele, definindo-se dia após dia, foi mais do que ele poderia suportar. Ele nunca soube o quanto o pai o amava, mesmo quando se afastaram. E agora, o peso da culpa começou a se instalar.

A morte de Gumercindo não foi apenas uma perda, foi um divisor de águas. Tião, tomado pela dor e pela solidão, começou a beber. A bebida se tornou sua única companheira, uma tentativa de apagar a lembrança da dor que ele mesmo causara. Mas Leandro, já idoso e com sua própria batalha contra o câncer, não o abandonou. Ele percebia que Tião precisava de ajuda.

Com o tempo, a relação entre eles se fortaleceu. Tião começou a cuidar de Leandro, retribuindo o carinho que recebera. E em um momento de fraqueza, quando a vida de Leandro se esvaía, ele sussurrou: “Seu pai tinha muito orgulho de você. Agora eu sei por quê. Obrigado por seu carinho, seu pai me passou um recado, caso você voltasse: Eu te perdoo, meu filho, você vive em meu coração.”

Essas palavras foram um bálsamo para Tião. Ele entendeu que o amor de um pai é incondicional e que, mesmo nas piores circunstâncias, sempre há espaço para o perdão. A vida, com suas reviravoltas, havia lhe ensinado uma lição dolorosa, mas necessária.

Após a morte de Leandro, Tião se viu imerso em um mar de sentimentos conflitantes. A culpa que já o consumia pela morte de seu pai agora se amplificava, pois sentia que havia falhado mais uma vez, perdendo outra figura paterna importante em sua vida.

No início, ele ficou recluso, revivendo suas memórias com Leandro, lembrando-se do apoio que recebeu e das lições que aprendeu. Ele começou a perceber que a relação com Leandro, assim como a que teve com seu pai, era marcada por amor e aprendizado. Essa reflexão o levou a aceitar que a culpa não deveria ser um fardo, mas uma motivação para mudar.

Ele decidiu enfrentar sua dor em vez de se afogar nela. Ele começou a frequentar grupos de apoio, onde compartilhava suas experiências e ouvia histórias de outras pessoas. Isso não apenas o ajudou a lidar com seus sentimentos, mas também lhe ensinou sobre empatia e a importância de cultivar relacionamentos.

Com o tempo, começou a honrar a memória de seu pai e Leandro de maneiras práticas. Ele se envolveu em atividades comunitárias, ajudando jovens que enfrentavam desafios semelhantes aos que ele mesmo passou. Ao fazer isso, sentia que estava transformando sua dor em algo positivo, contribuindo para a vida de outros e, assim, mantendo vivos os legados de amor e orgulho de seus pais.

Através da escrita, Tião começou a expressar seus sentimentos em um diário. Ele escrevia cartas para seu pai e Leandro, compartilhando suas reflexões, arrependimentos e promessas de mudança. Esse processo se tornou uma forma de cura, permitindo-lhe dialogar com os que haviam partido e encontrar paz interior.

Com o tempo, percebeu que a culpa poderia ser transformada em força. Ele decidiu que não queria mais viver à sombra da dor, mas sim como um exemplo do que Gumercindo e Leandro sempre acreditaram que ele poderia ser. Essa nova perspectiva o ajudou a reconstruir sua vida, cercando-se de pessoas que o apoiavam e incentivavam.

A culpa, embora pesada, se tornou uma aliada na jornada dele. Ele aprendeu que, para honrar aqueles que amava, precisava viver plenamente e com propósito. Assim, não apenas lidou com sua dor, mas também encontrou um caminho para a redenção, transformando sua vida em um tributo ao amor que sempre recebera.

Tião percebeu a importância de não abandonar os pais, de valorizar cada momento. Eles sempre têm orgulho e muito amor pelos filhos, mesmo quando a relação parece estar quebrada. E, assim, ele decidiu não apenas honrar a memória de seu pai, mas também se tornar um homem melhor, não apenas para si, mas para aqueles que ainda o cercavam.

A vida, afinal, é muito curta para ser vivida com arrependimentos. Ele prometeu a si mesmo que, ao olhar para o futuro, faria isso com amor e gratidão, sabendo que, em cada passo, carregaria consigo o legado de seu pai.

Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

O sonho do poeta

 Texto construído tendo por base a trova de Carolina Ramos (Santos/SP)


Sofredor desde menino 
e tendo o sonho por meta 
quis saber qual seu destino,
diz-lhe o cigano: - Poeta!

Numa pequena cidade do interior de São Paulo, onde as ruas de paralelepípedos contavam histórias de tempos passados, havia um menino chamado Odair. Desde muito jovem, ele se sentia diferente dos outros. Enquanto seus amigos se divertiam jogando futebol ou brincando na rua, ele passava horas observando as nuvens, sonhando acordado e escrevendo os sentimentos que brotavam de sua alma. Era um sonhador, um poeta em formação, mesmo que as palavras ainda não tivessem encontrado seu lugar nas páginas de um caderno.

Ele cresceu em uma família simples, onde o sofrimento e as dificuldades eram companheiros constantes. Seu pai, um trabalhador incansável, lutava para sustentar a família, enquanto sua mãe, sempre otimista, tentava encontrar a beleza nas pequenas coisas do dia a dia. Desde menino, Odair aprendeu que a vida era uma jornada repleta de desafios, mas seu coração pulsava com a esperança de que os sonhos poderiam, um dia, se transformar em realidade.

Certa manhã, enquanto caminhava pela feira da cidade, viu um grupo de pessoas reunidas em torno de um homem distinto, vestido com roupas coloridas e adornos brilhantes. Era um cigano, conhecido por suas previsões e sabedoria. A curiosidade tomou conta dele, e se aproximou para ouvir o que o homem tinha a dizer. Os murmúrios da multidão eram cheios de expectativa, e o cigano parecia ter uma aura mágica que atraía todos a ele.

Quando chegou sua vez, Odair, nervoso, pediu ao cigano que lhe dissesse qual era seu destino. O homem olhou fundo em seus olhos, como se estivesse penetrando em sua alma. Após um longo silêncio, ele sorriu e disse: “Sofredor desde menino e tendo o sonho por meta, quis saber qual seu destino. E eu lhe digo: Poeta!”

Aquelas palavras ecoaram na mente de Odair como um tambor distante. Ele não sabia ao certo o que o cigano queria dizer, mas algo dentro dele se acendeu. O sonho que sempre carregou como um fardo agora se apresentava como uma identidade. Ser poeta era mais do que escrever; era uma forma de viver, de transformar o sofrimento em arte. Sentiu que, de alguma forma, aquele encontro mudaria sua vida para sempre.

Após a feira, ele passou a dedicar-se ainda mais à sua escrita. Cada dor, cada alegria, cada momento de sua vida se tornava um verso, uma estrofe, uma canção. Ele escrevia sobre as lutas de sua família, as belezas do cotidiano, os amores perdidos e as esperanças renovadas. Com o passar do tempo, suas palavras começaram a ganhar vida própria, como se estivessem aguardando o momento certo para florescer.

Porém, a jornada do poeta não era fácil. Odair enfrentou a rejeição de editoras, a crítica de pessoas que não compreendiam sua arte e, por vezes, até a falta de inspiração. Mas, mesmo nos momentos de desânimo, ele se lembrava das palavras do cigano. O sonho de ser poeta era sua meta, e ele não poderia desistir. Assim, continuou a escrever, mesmo quando as palavras pareciam se esconder nas sombras.

Certa noite, enquanto caminhava à beira do lago que tanto amava, sentou-se à sombra de uma árvore e refletiu sobre sua vida. Ele olhou para a superfície da água, que refletia a luz da lua, e sentiu uma onda de gratidão. As dificuldades que enfrentara o tornaram mais forte, mais sensível ao mundo ao seu redor. Ele entendeu que a dor e o sofrimento são partes essenciais da vida, moldando não apenas quem somos, mas também a arte que criamos.

Com o tempo, começou a compartilhar seus poemas em pequenos saraus e encontros literários na cidade. As pessoas começaram a reconhecer seu talento, e suas palavras tocaram os corações de muitos. Aquela conexão que ele sempre buscava finalmente se concretizava. O sofrimento, que antes parecia um fardo, agora se transformava em uma ponte que unia almas.

Anos se passaram, e Odair tornou-se um poeta respeitado em sua comunidade. Com suas publicações e leituras, ele inspirou outros a encontrar suas vozes e a expressar seus sentimentos. O cigano, com suas palavras enigmáticas, havia acertado: o destino dele era ser um poeta, e ele havia cumprido essa missão com coragem e determinação.

Certa tarde, ao receber um prêmio por suas contribuições à literatura, Odair subiu ao palco e, antes de agradecer, lembrou-se do cigano. Ele compartilhou com a plateia a mensagem que sempre guiou sua jornada: “Nunca subestime o poder dos sonhos. Eles podem ser a luz que brilha nas horas mais escuras. O sofrimento é apenas um capítulo da vida, e o que importa é como escolhemos contar nossa história.”

E assim, ele se tornou um símbolo de esperança e inspiração, provando que mesmo as jornadas mais difíceis podem levar a destinos extraordinários. Que, ao longo de nossa vida, possamos lembrar que, mesmo nas sombras do sofrimento, os sonhos são a chave para a transformação e a verdadeira realização.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em patologia clínica, não concluiu o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil-Suiça, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, União Brasileira dos Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR, onde pertence a entidades da região. Publicou mais de 500 e-books. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 23 de fevereiro de 2025

A Caixinha de Música

Era uma manhã ensolarada nas ruas de uma cidade. Entre os prédios imponentes e as pessoas apressadas, havia uma menina de cabelos desgrenhados e roupas puídas. Seu nome era Bela, e sua casa era a calçada. Apesar da dureza da vida, havia uma luz especial em seus olhos, uma chama que a mantinha viva em meio à escuridão.

Bela possuía apenas uma caixinha de música, um objeto simples, mas que guardava todo o seu mundo. Quando a abria, uma bailarina de porcelana começava a rodopiar, enquanto uma melodia suave preenchia o ar. Aquela presença delicada era seu refúgio, o escape de uma realidade dura. Ela sonhava acordada, imaginando-se girando sob os holofotes, vestida com um vestido brilhante, dançando como as estrelas que via à noite.

A cada dia, Bela se sentava em um canto da praça, onde o som das risadas e das conversas se misturava à música da sua caixinha. As pessoas passavam, algumas lançavam olhares de compaixão, outras ignoravam. Mas para ela, nada disso importava. A bailarina dançava, e ela sonhava.

Certa tarde, enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e rosa, ela decidiu que era hora de mostrar sua caixinha a um grupo de crianças que brincavam nas proximidades. Com um sorriso radiante, abriu a caixinha, e a música começou a tocar. As crianças pararam, fascinadas pela dança da bailarina, e ela se deixou levar pela melodia, girando e rodopiando junto com sua criação.

Mas, em um momento de distração, a caixinha escorregou de suas mãos. O tempo pareceu se desacelerar enquanto ela via o objeto precioso cair. O som do impacto foi como um trovão em sua mente. A música parou abruptamente, e a bailarina ficou imóvel, como se tivesse perdido a vida.

Bela sentiu uma onda de desespero invadi-la. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, misturando-se com a poeira da calçada. O que era ela sem sua música? O que era seu sonho sem a bailarina girando? O mundo ao seu redor parecia escurecer, e a tristeza a envolveu como um manto pesado.

Neste momento de dor, um senhor idoso, que sempre passava por ali com sua bengala, notou a cena. Ele se aproximou, agachou-se lentamente e pegou a caixinha do chão. Suas mãos, envelhecidas mas firmes, examinavam o pequeno objeto com cuidado. Ela o observava, a respiração entrecortada pela ansiedade, sem saber o que esperar.

Com um toque suave, o velho abriu a caixinha. Ele olhou para Bela e sorriu, um sorriso que parecia carregar a sabedoria de uma vida inteira. Então, com um gesto habilidoso começou a ajustar a engrenagem. Para a surpresa dela, a música começou a tocar novamente. A bailarina, como por encanto, voltou a girar e a melodia encheu o ar.

— Aqui está, menina — disse o velho, entregando a caixinha de volta a ela. Sua voz era doce, como a brisa suave que soprava entre as árvores. — A verdadeira mágica, menina, é nunca deixar de sonhar.

Ela, com os olhos brilhando de gratidão, segurou a caixinha contra o peito. O senhor a observava, e em seu olhar havia algo que a fez sentir que ele entendia a profundidade de seu sonho. Naquele instante, a tristeza se dissipou, e a esperança floresceu novamente dentro dela.

— Obrigada! — sussurrou, com a voz embargada.

Ele sorriu novamente, e antes de se afastar, acrescentou:

— Lembre-se, os sonhos são como esta música. Às vezes, podem parar, mas sempre podem voltar a tocar. Basta acreditar.

Com o coração renovado, Bela observou o homem se afastar, enquanto a música continuava a tocar. A bailarina girava, e com ela, seus sonhos voltavam a dançar. A caixinha de música não era apenas um objeto, era um símbolo de que mesmo nas sombras da vida, a luz da esperança nunca se extingue.

E assim, todos os dias, ela se sentava na praça abrindo sua caixinha e dançando com a bailarina, sonhando e acreditando  que as dificuldades são passageiras e nunca deixaria que apagassem a música de sua vida.

Os dias passaram e Bela continuava a visitar a praça, sempre com sua caixinha de música. A cada manhã, o velho senhor a encontrava ali, assistindo-a dançar e sonhar. Em uma dessas manhãs, enquanto a música ecoava suavemente, ele se aproximou e se sentou ao seu lado.

— Menina — começou ele, com um olhar gentil —, eu percebo que você ama dançar. O que você sonha em ser quando crescer?

Ela hesitou por um momento, mas a confiança que aquele homem lhe proporcionara a encorajou a abrir seu coração.

— Eu quero ser bailarina, como a da minha caixinha — disse ela, com os olhos brilhando de emoção. — Quero dançar para o mundo todo ver.

O velho sorriu amplamente, seus olhos se iluminando com a determinação da menina. Então, ele decidiu que era hora de transformar aquele sonho em realidade.

— Venha, querida — disse ele, estendendo a mão para ela. — Tenho algo especial para você.

Com um misto de curiosidade e excitação, Ela segurou a mão dele, que era firme e calorosa. O caminho que seguiram levou-os a uma escola de dança, um lugar onde a música preenchia o ar e as crianças se moviam com graça e alegria. Ela ficou maravilhada ao entrar, seus olhos se arregalando ao ver as bailarinas rodopiando e se alongando.

— É aqui que você vai aprender a dançar — disse o senhor, olhando para ela com ternura. — Eu quero que você faça parte deste mundo.

Ela não conseguia acreditar. Olhou para o homem, seu coração acelerado de felicidade. Ele se dirigiu à diretora da escola, e com um tom firme e respeitoso, pediu que aceitassem Bela como aluna. A diretora, tocada pela história do senhor e pela paixão da menina, concordou.

Quando o senhor se virou para Bela, ela estava tão emocionada que lágrimas de alegria escorriam pelo seu rosto. Ela correu até ele e o abraçou com força, sentindo a segurança e o carinho que ele lhe oferecia.

— Obrigada, vovô! — exclamou, a palavra saindo de seus lábios como um sussurro mágico. Ela nunca havia conhecido um avô, mas sentia que aquele homem havia preenchido um espaço vazio em seu coração.

O velho, que sempre vivera sozinho, sentiu uma onda de emoção. Ele nunca imaginou que poderia ter uma neta, alguém para cuidar e amar. A partir daquele dia, Bela tornou-se a luz da sua vida. Ele a acompanhava nas aulas, a incentivava em cada passo e a congratulava por cada conquista.

Os anos se passaram, e Bela cresceu, transformando-se em uma bela jovem com um talento excepcional para a dança. Ela subia ao palco com a mesma alegria que sentia ao rodopiar com sua caixinha de música. Cada apresentação era uma homenagem a sua infância, àquela bailarina que sempre dançava para ela.

Apesar de seu sucesso, ela nunca abandonou sua caixinha. Ela a mantinha em um lugar especial de seu coração. Às vezes, em momentos de dúvida ou cansaço, abria a caixinha e deixava a melodia envolver seu ser. Era um lembrete constante das suas raízes e da importância de acreditar.

Em uma noite especial, quando Bela se preparava para uma grande apresentação, ela olhou nos olhos do seu "vovô", que estava sentado na primeira fila, orgulhoso e emocionado. Ele sempre dizia:

— Lembre-se, os sonhos são como esta música. Às vezes, podem parar, mas sempre podem voltar a tocar. Basta acreditar.

Com essas palavras ecoando em sua mente, subiu ao palco. A luz a abraçou, e a música começou. Ela dançou como nunca antes, cada movimento uma celebração de sua jornada, do amor que a cercava e da mágica que existia em nunca deixar de sonhar.

E no fundo de seu coração, sabia que, independentemente do que acontecesse, sua caixinha de música sempre tocaria, guiando-a por toda a vida.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Solidão: Ser e estar

 

A solidão é uma das experiências mais universais e, ao mesmo tempo, mais profundamente particulares da condição humana. Em um mundo hiperconectado, onde a comunicação flui instantaneamente através de telas e redes sociais, a ironia é que muitos se sentem mais sozinhos do que nunca. Esta contradição nos leva a refletir sobre o impacto da solidão no ser humano, suas nuances, suas dores, e, paradoxalmente, seus potenciais benefícios. 

Para alguns, a solidão é uma sombra que se estende, envolvendo o ser em um manto de tristeza e abandono. A ausência de companhia, a falta de diálogo e a desconexão emocional podem se transformar em um labirinto sem saída. Ao olhar ao redor, muitos se deparam com o eco de suas próprias vozes, e a vida se torna um monólogo onde cada pensamento se torna um peso. A perda de vontade de viver é uma consequência comum - a solidão, em sua forma mais crua, pode corroer a esperança e o desejo de mudança. 

Entretanto, a solidão não é apenas um estado de dor. Ela também pode ser um espaço de introspecção e autodescoberta. A solidão, quando bem administrada, oferece uma oportunidade ímpar de reflexão. Em momentos de quietude, o ser humano pode se voltar para dentro, questionar suas crenças, reavaliar seus valores e, quem sabe, encontrar um novo propósito. É nesse silêncio que muitos artistas, pensadores e filósofos encontraram sua voz. A solidão, nesse contexto, pode ser um terreno fértil para a criatividade e o crescimento pessoal. 

Diante desse quadro, a questão que se impõe é: como podemos ajudar aqueles que se encontram presos na solidão? A resposta exige empatia, compreensão e ação. O primeiro passo é a escuta atenta. Muitas vezes, aqueles que se sentem sozinhos apenas desejam ser ouvidos. Um simples gesto de atenção pode fazer toda a diferença. Conversas informais, um convite para um café ou uma caminhada no parque podem quebrar a barreira da solidão e reacender a chama da conexão humana. 

Além disso, é fundamental reconhecer que a solidão não é uma falha pessoal, mas uma condição da vida. Ajudar alguém a entender que não está sozinho em sua experiência é um presente poderoso. Compartilhar histórias, experiências e dificuldades pode criar um vínculo que transforma a solidão em uma jornada compartilhada. Muitas vezes, as pessoas se sentem mais confortáveis em abrir-se quando percebem que outros também enfrentam desafios semelhantes. 

Outro aspecto importante é a promoção de atividades comunitárias. Grupos de leitura, oficinas de arte, ou até mesmo clubes de caminhada podem oferecer oportunidades para que os solitários se conectem com outros e encontrem um senso de pertencimento. A socialização, quando feita de forma gradual e respeitosa, pode ajudar a reestabelecer laços e a confiança em relacionamentos. 

Por outro lado, é crucial respeitar o espaço do outro. Não se deve forçar a interação, pois isso pode resultar em mais angústia. Cada um tem seu tempo e seu modo de lidar com a solidão. O apoio deve ser oferecido, mas sempre de maneira sensível e atenta. 

A solidão, portanto, é uma condição ambivalente. Ela pode ser uma fonte de dor profunda ou um espaço para o florescimento pessoal. O desafio está em encontrar um equilíbrio, em reconhecer quando a solidão se torna um fardo e em buscar formas de transformá-la em uma oportunidade de conexão e crescimento. 

Viver sozinho pode ser um ato de resistência ou um convite ao autoconhecimento. A chave está em como cada um lida com essa experiência. Para muitos, a solidão é um estado transitório, um capítulo que pode ser escrito com novas histórias de amor, amizade e pertencimento. Para outros, pode ser um lugar de reflexão profunda, mas que, se não for cuidado, pode levar à ruína da vontade de viver. 

Assim, cabe a nós, enquanto sociedade, cultivar uma cultura de acolhimento, onde a solidão não seja estigmatizada, mas compreendida. Ao estender a mão para aqueles que se sentem sós, podemos juntos construir um mundo onde cada ser humano se sinta visto, ouvido e amado. A solidão, quando compartilhada, não precisa ser um fardo, mas pode se tornar um espaço onde todos aprendem a se conectar com a essência do ser humano: o amor e a empatia.

Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Amores na mocidade

 Texto construído tendo por base a trova do Professor Garcia (Caicó/RN)


Amores na mocidade!...
Depois, a contrapartida:
cansaço, dor e saudade
na curva extrema da vida!

Numa pequena cidade , onde o sol sempre brilhava e as flores coloridas enfeitavam as ruas, vivia uma jovem chamada Lara. Em sua juventude, era conhecida por sua beleza radiante e sua risada contagiante. Ela sonhava com grandes amores, com aventuras que a levariam a lugares distantes e emocionantes. Ao lado de suas amigas, costumava passar as tardes discutindo sobre os romances que lia e imaginando o príncipe encantado que um dia surgiria em sua vida.

Certa manhã, enquanto caminhava pelo parque, Lara encontrou um jovem chamado Lúcio. Ele era diferente de todos que conhecia: tinha um olhar profundo e um jeito tranquilo que a encantava. Os dois logo se tornaram inseparáveis, compartilhando risadas, sonhos e promessas de um futuro juntos. Os dias se transformaram em meses, e aqueles momentos de amor intenso pareciam eternos. Eles faziam planos, falavam sobre construir uma vida juntos e acreditavam que a felicidade seria infinita.

Contudo, com o passar do tempo, a paixão que os unia começou a se transformar. As diferenças entre eles se tornaram evidentes, e as pequenas desavenças que antes eram insignificantes começaram a se acumular. Lúcio, que sempre fora sonhador, agora se via pressionado a assumir responsabilidades que não desejava. Lara, por sua vez, aspirava por aventuras e desafios, enquanto ele buscava segurança e tranquilidade. O amor que antes parecia inabalável começou a fraquejar sob o peso das expectativas e da realidade.

Após alguns meses de tentativas frustradas de resolver suas diferenças, eles decidiram se separar. 

O término foi doloroso, e ambos sentiram a perda de um futuro que acreditavam ser certo. Lara, em particular, sentiu uma onda de saudade que a envolveu como um manto pesado. As memórias dos momentos felizes pareciam agora uma sombra do que poderia ter sido. A cidade que antes vibrava com as cores de sua juventude agora parecia mais cinzenta e solitária.

Com o passar do tempo, ela buscou consolo em novas amizades, mas a dor da perda permanecia. Ela percebeu que, apesar da beleza dos amores da mocidade, havia uma contrapartida que não se podia ignorar: o cansaço emocional, a dor da saudade e a sensação de que algo precioso havia sido deixado para trás. Ela começou a refletir sobre o que realmente significava o amor e como, muitas vezes, ele podia ser fugaz e decepcionante.

Anos se passaram, e ela se tornou uma mulher mais madura. Ela viveu novos relacionamentos, cada um trazendo suas próprias lições e desafios. Aprendeu a valorizar não apenas os momentos de alegria, mas também as dificuldades que moldavam seu caráter. As cicatrizes emocionais que carregava se tornaram parte de sua história, e ela começou a aceitar que o amor, em suas diferentes formas, é uma jornada repleta de altos e baixos.

Um dia, durante um passeio pelo parque, encontrou Lúcio novamente. Ambos estavam mais velhos, com marcas de vida que contavam histórias de amores e perdas. Eles se cumprimentaram com um sorriso tímido, lembrando-se da intensidade da juventude. A conversa fluiu naturalmente, e logo estavam rindo das lembranças que compartilhavam.

“Você se lembra daquele verão?”, perguntou Lara, com um brilho nostálgico nos olhos. “Aquele em que prometemos que seríamos sempre felizes?” ele sorriu, mas havia uma tristeza em seu olhar. “Sim, eu me lembro. Mas a vida nos ensinou que a felicidade é feita de muito mais do que apenas promessas.”

A conversa se aprofundou, e os dois compartilharam suas experiências, seus erros e aprendizados ao longo dos anos. Ela percebeu que, apesar da dor e da saudade, havia algo belo na jornada que vivera. Cada amor, cada desilusão, havia contribuído para a mulher que se tornara. Ela compreendeu que, embora a vida pudesse ser desafiadora, cada capítulo era essencial para seu crescimento.

Ao final do encontro, Lara e Lúcio se despediram com um abraço sincero, cada um levando consigo uma sensação de paz. Ela percebeu que os amores na mocidade, com suas alegrias e tristezas, não eram em vão. Eles faziam parte dos retalhos da vida, cada tecido contribuindo para a imagem mais ampla de quem ela era.

E assim, com o coração mais leve, caminhou de volta para casa, sabendo que a vida, com suas curvas extremas, era uma jornada que valia a pena. A moral dessa história ficou clara em sua mente e coração: 

Os amores da juventude, com suas alegrias e dores, são fundamentais para moldar quem nos tornamos, e mesmo na saudade, há beleza e aprendizado.

Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A síndrome da folha em branco madrugada adentro

A madrugada se estende como um tapete sujo e sem graça, daqueles que você encontra em liquidações de garagem. E eu, no meio desse tapete, revirando-me na cama como um frango assado esquecido no forno. A insônia e a falta de inspiração formam uma dupla imbatível, tipo Batman e Robin da desgraça criativa. Só que, no caso, o Coringa sou eu, rindo histericamente do meu próprio fracasso literário.

Deveria estar sonhando com mundos fantásticos, personagens cativantes e reviravoltas mirabolantes. Em vez disso, a minha mente é um deserto árido, onde o único oásis é a contagem regressiva para o amanhecer. E cada segundo parece uma eternidade, martelando nos meus ouvidos como o baterista de uma banda de heavy metal bêbado.

A inspiração, essa vadia ingrata, me abandonou faz tempo. Acho que ela fugiu para uma ilha deserta com um grupo de escritores adolescentes que escrevem fanfics eróticas sobre duendes. E eu, aqui, com um bloqueio criativo do tamanho do Monte Everest.

Já tentei de tudo para driblar a insônia. Chá de camomila? Me deixa mais irritado. Contar carneirinhos? Acabo imaginando um churrasco e fico com fome. Meditação guiada? Adormeço no meio e acordo com a voz da instrutora dizendo: "Visualize sua paz interior… Zzzzzz… Ei, acorda!".

O problema é que a minha cabeça não desliga. Fica repassando os mesmos pensamentos obsessivamente: Por que a geladeira faz esse barulho estranho? Será que eu deixei o ferro ligado? Por que a Adele ainda não me convidou para ser o tema de uma música?

E, claro, a questão central: Por que diabos eu não consigo escrever NADA?!

Já tentei escrever sobre a minha insônia. Virou um tratado filosófico existencial tão chato que nem eu aguentei reler. Tentei escrever sobre a falta de inspiração. Virou uma metalinguagem pretensiosa que faria Jean-Paul Sartre ter um ataque de soluços.

Chego a invejar os meus vizinhos. Aposto que eles estão lá, roncando como ursos em hibernação, enquanto eu luto contra a sanidade em meio à escuridão. Será que eles têm o segredo para uma vida plena e bem dormida? Ou será que eles só usam tampões de ouvido e tomam soníferos escondido?

De repente, uma luz! Tive uma ideia! Vou escrever sobre… não, espera, já escrevi sobre isso antes. Era sobre um astronauta que se apaixona por uma alienígena que trabalha em um food truck de tacos espaciais. Foi um fracasso retumbante.

Acho que preciso mudar de ambiente. Talvez o problema seja o meu quarto. Essa cama, com esse colchão macio e esses lençóis de algodão que me abraçam como uma mãe judia superprotetora. Espera aí… talvez o problema seja o edredom! Ele é tão quentinho e aconchegante que me induz ao sono, mas não ao sono profundo e revigorante, e sim a um estado de semi-coma que me deixa mais cansado do que antes.

É isso! Vou me livrar do edredom! Vou dormir no chão, enrolado em um cobertor de lã áspero e desconfortável. Assim, vou ficar acordado e alerta, pronto para capturar as ideias que ousarem cruzar o meu caminho.

(Cinco minutos depois)

Ok, o chão é duro. O cobertor pinica. E estou com frio. Mas pelo menos estou acordado! E… e… e…

(Ronco alto e prolongado)

Pelo visto, a maldição do edredom é mais forte do que eu imaginava. E a insônia, a inspiração zero e o sono incontrolável formam um triângulo amoroso perverso que me condena a uma vida de crônicas inconclusivas e madrugadas desperdiçadas.

Mas, ei, pelo menos tenho material para escrever. De novo. Se eu conseguir acordar, é claro. E se a inspiração resolver dar as caras. E se a parar de assistir vídeos de gatinhos no YouTube… Bem, talvez eu devesse me contentar em dormir e sonhar com a Adele me convidando para um show. Pelo menos no sonho, eu sou um escritor famoso e bem-sucedido. E a pizza de calabreza com borda recheada nunca acaba.

Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

O Ajudante Robô na Horta

Certa manhã, Dona Elda decidiu que era hora de modernizar a horta. Após ver um comercial sobre um robô ajudante, ela teve uma ideia. — Lelé,...